28 novembro, 2007

Qual o Futuro do Irão na Região?

É com muito agrado que nos encontramos na situação de poder contribuir para a finalização deste primeiro ensaio de co-autoria subordinado ao tema da "Ascensão do Irão no Médio Oriente", que contou com um total de cinco artigos que reflectiam sobre diferentes dimensões da problemática que envolve a conturbada afirmação do governo de Ahmadinejad enquanto potência regional com ambições nucleares, com uma influência considerável na petroeconomia, e em todo o mundo árabe.

Contudo, os artigos já publicados analisavam apenas factos já consumados, tentando imprimir uma narrativa coerente e, tanto quanto possível, analítica, que melhor nos fizesse compreender quais as reais razões da sua ascensão, suas consequências no equilíbrio de poderes regional e internacional, e ainda problemáticas paralelas que tornam esta temática um assunto tão debatido nos dias que correm. Faltava, para conclusão, uma análise prospectiva que avançasse com cenários possíveis com desfecho, ou não, da actual crise. Não obstante o nosso interesse na matéria, deparámo-nos com um artigo escrito por Alexandre Reis Rodrigues, no seu Jornal de Defesa e Relações Internacionais, que com grande amabilidade e prontidão acedeu a autorizar uma transcrição parcial do seu trabalho que, intitulado "O Triângulo EUA/ Rússia/ Irão", se debruça sobre o mesmo objectivo prospectivo que nos propúnhamos realizar.

Desta forma, aqui fica uma parcela do referido artigo, para o qual gostaríamos ainda de direccionar a atenção cuidada do leitor para a sua relevância para as relações internacionais, assim como recomendamos ainda a regular leitura dos conteúdos publicados no Jornal de Defesa e Relações Internacionais, um sítio incontornável para entusiastas destas matérias.

"Não se julga que o novo quadro político se tenha gerado no Iraque, por vontade própria das facções em confronto, esgotadas por uma luta fratricida, sem desfecho à vista; a origem da mudança está no exterior, em alterações, talvez ainda pouco perceptíveis mas nem por isso menos reais, no relacionamento dos EUA com o Irão e na agenda política da Rússia com ambos.
É verdade que o tom extremamente belicoso, quer da parte da Bush (possibilidade de uma III Guerra Mundial se o Irão tiver armas nucleares), quer da parte de Ahmadinejad (irreversibilidade do programa nuclear) continua a ocupar os cabeçalhos da imprensa mas, não obstante isso, há também sinais de que uma complexa e subtil ofensiva diplomática, em curso há algum tempo, pode estar a dar os primeiros frutos. A recente visita de Putin a Teerão, no âmbito da Cimeira do Mar Cáspio, veio, acelerar esse processo. Vejamos como.

Para a Rússia, um Irão com armas nucleares, é tanto ou mais difícil de aceitar do que pelos EUA. Não é o receio de um ataque que preocupa os russos; é a ascensão do Irão como potência regional numa área de interesse directo para a Rússia, originando, provavelmente uma corrida aos armamentos por parte dos países do Golfo e uma maior interferência americana na zona para a protecção dos seus aliados tradicionais (Arábia Saudita, Kuwait, etc.). Calcula-se que Putin, nas conversações que manteve com Khamenei, pediu contenção nas questões nucleares, oferecendo em troca a solidariedade da Rússia e a oposição a um ataque americano.
Os detalhes desta proposta terão sido discutidos, duas semanas mais tarde, no final de Outubro, na visita que Lavrov fez a Teerão. Nada consta em termos oficiais sobre o que possa ter ficado acordado; no entanto, certamente ligado com este assunto, foi posteriormente anunciado que a Rússia estava a preparar, sob a supervisão da IAEA, o primeiro fornecimento de urânio para permitir a entrada em funcionamento da central nuclear de Bushehr. É um sinal de boa vontade da Rússia depois de ter suspendido a colaboração que estava a dar para conclusão da central, sob alegação de pagamentos em atraso. O sinal, em qualquer caso, é mais político do que prático: sabe-se que a central só entrará em funcionamento seis meses depois da recepção do urânio e ainda não foi anunciada qualquer data para a sua entrega. Por outras palavras, a Rússia continua a não querer largar de mão a chave para a entrada de funcionamento da central, presumivelmente à espera que o Irão confirme primeiro que abandona a pretensão de ter armas nucleares.

Teerão não poupou esforços a chamar a atenção de todo o mundo para as promessas de solidariedade russa mas a proposta de Putin, na prática, provocou uma intensificação do debate sobre o rumo a dar à política externa, pondo em dúvida a consistência do caminho que o Presidente Ahmadinejad protagoniza, em nome da ala radical: que é a altura de correr riscos, para aproveitar as circunstâncias especialmente favoráveis do momento (EUA enfraquecidos, Iraque com um governo amigo, inesperado maior rendimento do petróleo e gás, etc.).
O debate entre as elites iranianas vai continuar por mais algum tempo; a questão central é a de decidir o que é melhor para o Irão: se possuir armas nucleares em detrimento de uma parceria com a Rússia (a posição dos radicais) ou seguir um caminho com menos riscos - entendimento com a Rússia e postura mais racional em relação aos EUA - mas, eventualmente, menos conducente à obtenção do estatuto de potência regional (a posição de Rafsanjani, Al Larijani que se demitiu recentemente das elevadas funções que tinha na estrutura do Estado, etc.). Khamenei, que tomará a decisão final, ainda hesita; provavelmente, vai esperar pelas eleições presidenciais de Março, no próximo ano, e decidir depois, em função da correlação de forças entre radicais e reformadores que o acto eleitoral revelar.

O que ninguém tem dúvidas, em Teerão, é sobre a necessidade de «segurar» o Iraque, isto é, garantir que um governo sunita com exclusão de todos os xiitas, como o que governou o país durante o tempo de Saddam, é hipótese que não se repetirá. O risco, aos olhos do Irão, pode ter existido durante algum tempo, quando os EUA começaram a apoiar-se nos sunitas, inclusivamente armando as suas milícias, perante a incapacidade do governo xiita controlar minimamente a situação."

18 novembro, 2007

Para um Entendimento sobre a Ascensão do Irão

Autores: Joana Gonçalves Junqueira & Tiago Alexandre Maurício
Tema
: Para um Entendimento sobre a Ascensão do Irão

Contactos
:
joana_junqueira@hotmail.com / tiago.int@hotmail.com


O conjunto de desenvolvimentos aos quais temos vindo a observar no Médio Oriente suscitou o nosso interesse no que concerne o papel que o Irão desempenha e a preponderância que este almeja adquirir na região. Este país, sob a liderança de Mahmoud Ahmadinejad, tem constituído um importante factor de desestabilização na actual conjuntura de poderes, e um constante empecilho à prossecução dos interesses nacionais das grandes potências, as quais ressalvamos os EUA e a Rússia, nesta zona tão volátil.

A seguinte publicação de vários artigos subordinados ao tema “A Ascensão do Irão no Médio Oriente” tem por objectivo contribuir para um correcto ou, tanto quanto possível, relevante entendimento sobre as problemáticas que esta ascensão suscitou, suscita e poderá vir a suscitar num futuro próximo. Através de diferentes abordagens, pretendemos explicitar algumas importantes questões frequentemente abordadas na literatura da especialidade, e aprofundar sobre noções que, por vezes, passam despercebidas sob as lentes dos media.

Com efeito, os artigos “Os Apoiantes da Nuclearização do Irão” e “Os Opositores da Nuclearização do Irão” reflectirão sobre as contemporâneas tensões que se agrupam respeitantes ao programa nuclear desenvolvido nas diversas centrais energéticas iranianas, e sua pretensão em completá-lo para fins pacíficos. Outros, no entanto, acusam o governo de Teerão de pretender utilizar este programa para fins militares, o que espoletaria uma escalada conflitual não só regional como globalmente. Nesta problemática em particular, alinhamentos começam a desenvolver-se com potências exteriores ao Médio Oriente, nomeadamente a Rússia e a China, que manifestam um tímido apoio ao programa nuclear, enquanto que outros, liderados pelos EUA, constituem o bloco opositor.

De seguida, aferimos sobre as influências que a grande potência mundial – os Estados Unidos -, desenvolvem na região. “A Influência dos EUA no Médio Oriente” aborda temas como a invasão do Iraque e subsequente derrube do regime de Saddam e sucessivas estratégias pró-democráticas falhadas, da forma como estes encaram a influência da Rússia e China, etc.

Mais tarde, em “O Mercado Internacional do Petróleo”, analisamos as estratégias individuais do Irão enquanto mecanismos de obtenção de poder na comunidade internacional, quer por perturbação especulativa dos níveis de produção, quer pela posição que este país ocupa enquanto membro fundamental da OPEP, possuindo importantes quantias das reservas mundiais de petróleo.

Para finalizar, n’”O Papel do Irão na Região” a temática dos diferendos internos entre as famílias do Islão – os sunitas e os xiitas -, é relacionada com os elevados índices de violência em toda a região, e como os vários grupos terroristas activos delimitam os seus alvos, quais os métodos de financiamento, e demais dimensões do problema do terrorismo.


Artigos:
Os Apoiantes da Nuclearização do Irão
Os Opositores da Nuclearização do Irão
A Influência dos Estados Unidos no Médio Oriente
O Mercado Internacional do Petróleo
O Papel do Irão na Região

Os Apoiantes da Nuclearização do Irão

O Irão, de forma a instalar e desenvolver o seu programa nuclear beneficiou e continua a beneficiar do apoio tecnológico e diplomático de países como o Paquistão, a Coreia do Norte, a China e a Rússia.

O Paquistão é encarado como o principal responsável pela criação de um mercado negro de proliferação nuclear. De forma encoberta o Paquistão vendou tecnologia e equipamentos para os programas nucleares não só do Irão mas também da Coreia do Norte e Líbia. Um escândalo vindo a público em 2004 mostrou o rosto do principal responsável por este negócio sujo, Abdul Qadeer Khan, um famoso cientista paquistanês, o pai da “bomba islâmica”. De nada lhe vale o seu pedido de desculpas, uma vez que a sua acção em muito tem contribuído para a crescente instabilidade e receio do mundo ocidental.

Relativamente á aliança sino-iraniana, desde o tempo do Xá que a China encara o Irão como um aliado. Na altura, em pleno clima de Guerra-fria, China e União Soviética, os dois gigantes do comunismo, encaravam o território iraniano como uma mais valia estratégico-energética. Ambos os países encontravam-se extremamente interessados no petróleo existente no Irão, de forma a aumentarem a sua capacidade económico-militar. Ao mesmo tempo que, já na altura, tentavam que este país não caísse na esfera americana.

Aquando da Guerra Irão-Iraque, 1980~1988, Pequim sempre esteve ao lado dos iranianos vendendo-lhes avultadas quantias de armas, como garantia da venda de petróleo.

Quanto ao apoio nuclear, o primeiro acordo data de 1985 abrangendo o fornecimento de material e a formação de cientistas. Nos anos seguintes, tendo sofrido fortes pressões norte-americanas, Pequim abrandou a sua ajuda.

O petróleo constitui o principal interesse chinês relativamente ao Irão, uma vez que estes pais é o segundo maior produtor dos países que constituem a OPEP. Em 2004, os dois países assinaram um acordo prevendo a compra ao Irão de 70 mil milhões de dólares de petróleo. O contínuo e abrupto crescimento económico chinês fazem naturalmente aumentar as suas necessidades de petróleo e 2/3 das importações provêm de países do Médio Oriente, logo, esta região é de extrema importância para o crescimento chinês.

Este petróleo provém de Ormuz até Xangai atravessando um território de 1200km controlados pela marinha americana. Pequim tem encetado esforços para acabar com este controlo aliando-se com os Estados petrolíferos anti-americanos, sendo o Irão um deles.

Além deste interesse energético de grande relevância para o crescimento chinês, o Irão constitui-se de igual forma importante para a estabilidade política da província ocidental chinesa de Xinjiang. Esta província é estrategicamente importante, uma vez que possui 30% das reservas chinesas de crude, e cerca de uma dezena de biliões de m3 de gás natural. Neste caso, o Irão é de extrema importância dada a sua influência moderadora perante os muçulmanos separatistas desta região, assegurando o relativo apaziguamento das hostes radicais.

Por forma a proteger todo este pacote de interesses, a China vai fazendo o possível para impedir a intervenção do Conselho de Segurança da ONU sobre o programa nuclear iraniano, que a China ajudou e continua a ajudar a desenvolver, através dos avultados gastos na compra de petróleo iraniano.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas vem tentando aplicar sanções económicas e mesmo uma possível intervenção militar contra o Irão, nomeadamente americanos, ingleses e franceses. No entanto, China e Rússia têm-se mostrado pouco ou nada interessados relativamente a estas intenções (sabe-se lá porquê).

Um outro parceiro iraniano é a Rússia que parece renascida das cinzas após o colapso soviético.

Desligando-se das constantes pressões norte-americanas, assinou em Fevereiro de 2005 um acordo com o Irão para o fornecimento de 100 toneladas de combustível nuclear para a central de Bushehr, cujo primeiro reactor deveria ter entrado em serviço no final de 2006. No entanto, constantes entraves têm atrasado o seu funcionamento. Este acordo vem no seguimento de um anterior, assinado em 1995 para repor em funcionamento a já citada central nuclear.
Vladimir Putin ofereceu os serviços da Rússia para realizar a continuação do programa nuclear iraniano. Estes serviços traduzem-se em tecnologia e mão-de-obra científica.

Há ainda a salientar o contrato de 700 milhões de dólares relativamente á venda ao Irão de 49 mísseis terra-ar, supostamente destinados á defesa das centrais nucleares.

Este esforço iraniano de defesa pela indústria militar russa preocupa os EUA, uma vez que esta aliança não lhes facilita um possível ataque ao Irão. Apesar deste ser signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, que prevê a possibilidade de desenvolvimento de energia nuclear para fins pacífico, o Ocidente, na pessoa dos EUA, receia que o programa nuclear iraniano tenha como objectivo o desenvolvimento de armamento nuclear o que destabilizaria ainda mais aquela região tão importante para o Ocidente, uma vez que nela se encontra o combustível para o desenvolvimento económico-militar do resto do globo.

À semelhança da China, também a Rússia dá o seu melhor para contrariar uma intervenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Estes três países, Rússia, China e Irão apesar de possuírem interesses diferentes, económico-energéticos e militares aliam forças para juntos afastarem os EUA da região do Médio Oriente e Ásia Central, abrindo assim espaço para que estes três países possam ascender á condição de potências regionais.

Escrito por: Joana Junqueira & Tiago Maurício

Os Opositores da Nuclearização do Irão

É impossível pensarmos a dinâmica internacional contraditória relativamente à nuclearização do Irão sem, após enunciados e caracterizados os argumentos dos seus apoiantes, entendermos quais as lógicas justificativas daqueles que defendem a sua não nuclearização. Para tal, necessitamos de acrescentar um conjunto de informações relevantes às especificidades do território iraniano, assim como de toda a região que o circunda, por forma a possível existência de uma efectiva legitimidade nas acusações feitas maioritariamente pelos Estados Unidos da América, Grã-Bretanha, Alemanha, e de outros países ditos ocidentais. Estas informações serão aprofundadas no capítulo relativo ao Mercado Internacional do Petróleo e o Irão.

O Irão é o segundo país nos índices de produção de barris de petróleo relativos aos Estados membros da Organização de Países Exportadores de Petróleo, a aclamada OPEP. Esta organização internacional, que muitos consideram ser um cartel monopolista e influenciador da produção e subsequente alteração dos preços mundiais de petróleo e seus derivados, e muito acertadamente acrescentaríamos, é detentora de cerca de 70% de todas as reservas actuais de petróleo calculadas ou expectáveis, e controla cerca de 90% das exportações do ouro negro. Encontrando-se estas reservas sob a autoridade de um conglomerado de países, o seu peso na economia mundial é avassalador, especialmente quando não encontramos nenhuma outra organização responsável pelo contrapeso à influência desta. Perante um mercado polarizado relativo ao petróleo não-OPEP, as condições estão criadas para o exercício de uma produção descentralizada dos grandes focos consumistas do mundo, extendendo a dependência de todo o mundo industrializado e semi-industrializado a um conjunto de treze Estados membros, não só situados no Médio Oriente, mas incluindo países como a Venezuela, Gabão e Líbia. Como referíamos, o Irão detém as segundas maiores reservas nacionais absolutas dentro do grupo OPEP, daí a sua importância na região. Com 40% das reservas mundiais de petróleo, o seu peso nas relações internacionais é inegável.

No entanto, é ainda esta sua potencialidade que mais argumentos providencia ao grupo de países que se obstinam à sua nuclearização, facilmente reunindo apoiantes em diversos países nos vários continentes. Dada a retórica utilizada pelo regime do Presidente Mahmoud Ahmadinejad, sustentada na prossecução de investigação e desenvolvimento da tecnologia destinada à exploração de energia nuclear para fins pacíficos e puramente energéticos, os seus poços petrolíferos de alta rentabilidade levam-nos a concluir que o desenvolvimento de tal tecnologia seria um mero complemento, caso demonstrasse alguma utilidade sequer, para um consumo energético doméstico em ascensão. No entanto, o crescimento económico do Irão não apresenta evoluções de maior nem é, por si só, argumento suficiente para inspirar um programa energético de médio-longo prazo como aquele inerente ao aproveitamento da energia nuclear. Aqui reside o primeiro contra-argumento que demoveria o Irão a continuar a sua pesquisa nuclear nas diversas instalações que possui para o efeito. Não é, contudo, o único.

As tensões internacionais estão envoltas em precedentes históricos que remontam à Guerra Fria e ao surgimento de arsenal nuclear para fins militares. Desde a sua primeira utilização em Hiroshima e Nagasáki pelos EUA, após ensaios concluídos com sucesso em Los Álamos com duas bombas atómicas protótipo, na sequência de um projecto designado de The Manhattan Project, e posterior desenvolvimento e obtenção na rival URSS, a produção mundial de armamento nuclear aumentou exponencialmente e para níveis que, a serem utilizados, calcula-se capazes de destruir um espaço dezasseis vezes superior ao da Terra. O seu potencial destrutivo é ímpar em toda a História, assim como o é a sua aparente proliferação quantitativa, assunto o qual continua a constar no topo das agendas políticas internacionais das grandes potências mundiais. O actual sistema internacional é tributário deste equilíbrio instável assente na doutrina MAD (Mutual Assured Destruction) ou de Deterrence, que preconizava a mútua destruição num cenário de duas partes beligerantes recorrem a este tipo de armamento. Entretanto, assistimos a uma proliferação que acaba na existência de onze países com acesso ao “botão vermelho” do desastre. Os EUA, junto das potências aliadas, detêm a arma, sendo elas a Grã-Bretanha, França, Israel, Paquistão, a Índia e, até certa altura, a África do Sul. Do outro lado da Cortina de Ferro, a URSS e países da esfera de influência comunista como a China (com as devidas salvaguardas político-ideológicas existentes na época), Ucrânia, Bielo-Rússia, Coreia do Norte e Egipto. Devemos acrescentar que tanto a África do Sul como a Ucrânia, Bielo-Rússia e Egipto seguiram programas de desnuclearização, abandonando o estatuto de potências nucleares aquando o fim da Guerra Fria em 1991, com a fragmentação do Pacto de Varsóvia.

A tendência histórica é, como acabamos de observar, de reduzir o número de países com acesso a arsenal nuclear por forma a possibilitar a estabilização das tensões internacionais dentro de parâmetros mais ou menos definidos, ou até incluídos em esferas de influência de um ou outro bloco beligerantes ou antagónicos. No caso do Irão, a sua instabilidade interna e regional é de tal forma premente que o desenvolvimento ou aquisição de tecnologia nuclear representaria um factor de desestabilização tão forte que implicaria, ou implicará, o derrube do tradicional equilíbrio de poderes e de esferas de influência no Médio Oriente, assim volatilizando todos os esforços internacionais de apaziguamento dos conflitos religiosos e étnicos aí existentes, enquanto que a ruptura com o anterior equilíbrio resultaria inexoravelmente no descalabro da estabilidade de produção energética da região, a qual é o próprio fundamento vital no qual assenta toda a economia mundial. Dada a influência que o Irão já detém na região, qualquer falha na contenção do seu poder para limites que fogem ao controlo de qualquer potência directora que não o próprio Irão seria um evento potencialmente ameaçador à paz na região, e à definição do equilíbrio de potências mundial.

Com a bomba nuclear, as potências externas à região seriam incapazes de impedir qualquer pretensão expansionista em direcção aos Estados vizinhos do Irão, o que levaria a um acrescento de violência e instabilidade em todos os sectores do Médio Oriente. A presença de duas potências nucleares a Leste, o Paquistão e a Índia, poderia ser um factor que demoveria o Irão de expandir-se nessa direcção, e o mesmo poderíamos dizer em relação a Norte, dada a influência que a Rússia ainda possui sobre as suas antigas repúblicas. No entanto, o mesmo não poderíamos afirmar em relação aos vizinhos ocidentais, nomeadamente o Iraque, Kuweit, Jordânia, e Arábia Saudita, exercendo posteriormente a sua influência já existente sobre a Síria e Líbano. A questão mais crucial punha-se: como conciliar a existência de duas potências inimigas no Médio Oriente, ambas com armas nucleares, como seria o caso do Irão e de Israel? Isto leva-nos ao terceiro argumento.

É conhecido que o famoso lobby judeu exerce pesadas influências sobre as democracias ocidentais, levando a que importantes somas de dinheiro sejam direccionadas rumo ao Estado de Israel para que este consiga prosperar numa região anteriormente inóspita, e onde a inimizade dos Estados vizinhos é sufocante. Além do mais, o ódio gerado aquando da criação do Estado judaico em 1948, onde anteriormente se encontravam sedeados os palestinianos, foi e continua a ser motivo de guerras santas e actividades terroristas, sobretudo bombistas, em alvos israelitas e, ocasionalmente, ocidentais. Este ódio é tão generalizado que leva sunnitas e xiitas a concordarem na injustiça por aqueles cometida, e na santidade de encetarem jihad contra o inimigo comum – Israel. Pior, as facções ditas moderadas nas várias repúblicas islâmicas do Médio Oriente são incapazes de exercer um tal pressão de apaziguamento e promotora de diálogo entre as partes que Israel não encontra qualquer tipo de apoio partidário nos regimes que lhe fazem fronteira directa e indirecta. O Irão, como tantas vezes anunciado em discursos públicos, encarrega-se de reunir em si os esforços mais extremistas que têm por objectivo a completa erradicação de Israel do mapa, consumando-se como política de Estado a desenvolver num futuro próximo.

Embora sejamos capazes de prospectar quais as reais possibilidades de um Irão nuclear levar até às últimas consequências este tipo de política externa, e até que ponto não será essa retórica uma forma de reunir um apoio interno suficiente à prossecução das suas pretensões regionais, conciliando quer sunnitas quer xiitas, não somos certamente capazes de prever o futuro. Contudo, em matéria de relações internacionais tamanhas possibilidades, especialmente perigosas senão catastróficas, são raramente desconsideradas na forma como as grandes potências envolvidas na região desenvolvem a sua política externa. Perante esta ameaça, as hostes avolumam-se em torno da necessidade de impedir a todo o custo a completação com sucesso do programa nuclear iraniano. À medida que o tempo passa, assim diminui a janela existente para eliminar definitivamente o problema, e consequentemente mais tensas se tornam as relações entre as várias partes. Numa matéria como esta, as influências estão de tal forma activas e complexificadas que se torna muito fácil cometer um erro e, logo de seguida, arrastar-se uma escalada de tensões até desembocar num conflito.

A quarta e última justificação que os opositores da nuclearização do Irão defendem relaciona-se com a sua política interna, isto é, com a influência que a classe religiosa tem sobre a classe política, e quais as consequências que daqui poderão advir, não só para o restante mundo muçulmano, como para a própria região. Com o derrube do Xá Mohammed Rezza Pahlavi em 1979 e subsequente criação da República Islâmica do Irão, encabeçada pelo Ayatollah Khomeini, a promiscuidade entre as facções religiosa e política do regime tem muitas vezes resultado numa fusão dos dois. No entanto, esta temática será abordada com maior pormenor numa secção posterior, ficando por aqui explicado o cenário geral que abrange os opositores da nuclearização do Irão.
Escrito por: Joana Junqueira & Tiago Maurício

A Influência dos Estados Unidos no Médio Oriente

Os sucessivos governos norte-americanos sempre tiveram e continuam a ter a esperança de dominar a região do Médio Oriente. No entanto, esse domínio tem vindo a ser desafiado pelas políticas externas de outros actores como a Rússia e a China.
Estes dois países encaram esta região como uma mais vaia para o seu crescimento tanto económico como armamentista. Ambos se têm esforçado através de sucessivos acordos económicos por trazer esta região para as suas esferas de influência devido ao seu enorme potencial energético (gás e crude) e proximidade geográfica.


Com a invasão do Iraque em 2003 e a consequente deposição de Saddam Hussein, os EUA despertaram a rivalidade entre xiitas e sunitas que Saddam vinha conseguindo controlar. Este despertar não ocorreu apenas no Iraque mas em todo o Médio Oriente, e o já considerável sentimento anti-americano ficou ainda mais forte. A ideia de fazer do Iraque um país democrático gerou nesta região um sentimento de que democracia é sinónimo de colapso da ordem política.

O Iraque, tradicionalmente um centro de poder no mundo árabe, tornou-se com a invasão norte-americana um país cada vez mais violento e dividido. Um excelente exemplo de um estado falhado.

Esta é sem dúvida uma região de contrastes e de extrema importância para as grandes potências, uma vez que as principais reservas de petróleo se encontram por lá.

O cenário é cada vez mais hostil para com os EUA.
O Irão insiste no desenvolvimento do seu programa nuclear e será dentro de pouco tempo um dos mais poderosos países do Médio Oriente, ao mesmo tempo que tem uma influência cada vez maior sobre a maioria xiita, cerca de 60%, no Iraque. Este país apoia ainda vários grupos terroristas que insistem em expulsar os americanos da região.

Israel é a maior potência militar e é vista pelos restantes países da região como um inimigo dada a sua enorme ligação com EUA, e a sua prepotência para com o povo palestiniano.

O petróleo é cada vez mais utilizado como uma arma contra o Ocidente. Os países produtores de petróleo do Médio Oriente, desprovidos de capacidade política e militar para fazer frente ao ocidente, utilizam o único recurso de que dispõem, o crude, fazendo oscilar cada vez mais e de forma crescente o seu preço. Só desta forma conseguem alguma da sua tão desejada visibilidade internacional.

Um outro problema que os EUA enfrentam é a crescente vontade que Ahmadinejad, presidente iraniano, nutre em negociar a venda do petróleo iraniano em euros e não em dólares. Desta forma enfraqueceria o dólar americano, ao mesmo tempo que arrastaria outros países da OPEP, como a Venezuela, a seguirem o seu exemplo, desestabilizando desta forma a economia americana e todo o mercado económico mundial.
A vida para os norte-americanos não se encontra nada fácil. O crescente sentimento anti-americano, a existência de mais um país na região com armamento nuclear (além do Paquistão e Israel), o fracasso no Iraque, dificuldades no processo de Paz entre Israel e a Palestina, proliferação de ataques terroristas, etc. Tudo isso contribui para o crescente clima de instabilidade e violência na região. Além disto, há que relembrar o papel da China e da Rússia, nesta região.

China e Rússia encetam cada vez mais esforços no sentido de afastar os EUA desta região, uma vez que esta é, tendo em conta a proximidade geográfica, uma zona de influência sino-russa e não americana.

Visto que está comprometido o fracasso do uso da força nesta região, a diplomacia apresenta-se então como a melhor via na estabilização do Médio Oriente. No entanto, o caminho a percorrer é penoso e longo, e talvez um pouco tardio.

Escrito por: Joana Junqueira & Tiago Maurício

O Mercado Internacional do Petróleo

A importância que o mercado internacional de petróleo tem na forma como os Estados delimitam as suas políticas externas, especialmente aqueles considerados grandes potências ou em vias de o serem, é inegável. E para além do factor nuclear, o Irão tem conseguido tirar proveito da posição privilegiado que ocupa nesse mercado, e enquanto o segundo país com as maiores reservas comprovadas de petróleo na Organização de Países Exportadores de Petróleo, ou OPEP.

A OPEP, um cartel de países que procuram adquirir uma alavanca negocial monopolista na produção e especulação de produção de barris de petróleo que sustentam a economia mundial quer dos países desenvolvidos, quer dos em vias de desenvolvimento, detém cerca de 2/3 de todas as reservas de petróleo encontradas ou com altas probabilidades de serem encontradas no globo. Sendo certo que existem, no total, cerca de seiscentos sistemas de petróleo, 1/3 situam-se em zonas de difícil acesso como águas profundas ou sob densas camadas de gelo, ou permafrosts. Com efeito, os países da OPEP controlam trezentos dos quatrocentos sistemas mundiais, o que considerando a natureza do mercado internacional, lhes atribui uma importância ímpar. No entanto, antes de avançarmos existem algumas precisões que necessitam explicação.

Desde a descoberta e produção em massa de petróleo para fins comerciais e industriais, nos finais do século XIX, este combustível fóssil tem sustentado todas as grandes evoluções, crescimentos e recessões da economia mundial por mais de um século. No entanto, o cenário anterior à criação da OPEP, em 1961, era relativamente favorável àqueles que mais necessitados estavam da sua produção – os países desenvolvidos. Através das suas empresas multinacionais, que criaram verdadeiros impérios como os de Rockefeller e Rotschild, estes países desenvolvidos realizavam as suas explorações em territórios colonizados ou, em variadas formas, submissos a este enorme investimento estrangeiro que logo criou fortunas imensas às chefias locais que, pactuando com estas empresas, lhes garantiam permissões de exploração. Durante décadas, este foi o modelo vigente do sistema mundial de petróleo. Mas em 1961, tudo mudaria.

A criação da OPEP surge após a constatação da necessidade premente dos Estados produtores de petróleo, especialmente aqueles situados no Médio Oriente, se reunirem à volta da mesma mesa e discutirem formas de elevarem o poder efectivo que as suas reservas de petróleo representam, e influenciar os índices de produção e de especulação em seu favor. Nesta óptica, trataram de nacionalizar inúmeras empresas, das quais a Anglo-Iranian Oil Company é um exemplo icónico, retirando a essas empresas privadas as suas permissões de exploração e acesso aos campos petrolíferos. Agora, mais do nunca, o petróleo e as questões a si envolventes eram problemáticas de Estado, relacionadas com a sua segurança interna e internacional, pelas quais se faziam guerras, promoviam golpes de Estado, criavam e destruíam-se alianças, e recorria-se a métodos que visavam única e exclusivamente a aquisição de acessos privilegiados aos mercados internos dos países da OPEP. Assim aconteceu entre o Reino da Arábia Saudita e os Estados Unidos da América, a manutenção de um sistema tanto quanto possível multipolar na região do Médio Oriente. Não era apenas a multiplicidade de centros de produção que retira poder negocial à OPEP, como os países desenvolvidos obtinham mais e melhores alternativas aos seus usuais abastecedores, que face a um mercado altamente competitivo, mesmo que multimilionário, eram forçados a negociar entre si uma redução do seu preço por forma a susterem os crescentes aumentos nos níveis de procura mundial de petróleo.

Não obstante, o Irão tem conseguido transformar essa sua riqueza mineral em poder, e assim adquirir um papel cada vez mais relevante na região, independentemente das repetidas sublevações que ocorreram no país na última metade do século XX. Com efeito, desde a nacionalização da Anglo-Iranian Oil Company em 1951, que os vários governos têm utilizado a Petropolitics em seu favor. Entretanto ocorreram as revoluções de 1953 e 1979, sem que o fluxo de produção de barris de petróleo fosse significativamente alterado. Aliás, a Revolução Islâmica de 79 pautou o virar numa longa descida na produção que se prolongou por toda a década de 1970, assim demonstrando a importância que o mercado internacional do petróleo recolhe dos assuntos políticos iranianos. Enquanto segundo país com as maiores reservas e maiores níveis de produção, não admira que a especulação dos mercados financeiros jogue em boa medida com a estabilidade interna do país, e deste na região.

De certa forma, a manutenção dos baixos preços de petróleo nos mercados mundiais depende de dois factores interligados: os níveis de produção dos países OPEP, e relativa estabilidade multipolar da região do Médio Oriente. Ora com a ascensão de Ahmadinejad, sucessor de Khatami, a gradual hostilização dos relacionamentos internacionais com quaisquer potências externas à região tem resultado, entre outras razões, na subida geral do preço médio do barril de petróleo, enquanto nos países circundantes o clima ameaça algumas rupturas.

Tudo isto influi no ganho de poder pelo petróleo iraniano, pois é o segundo gigante que se encontra capaz de assegurar eventuais aumentos na procura mundial, e assim suprir as necessidades de petróleo pelo aumento da sua produção interna. Em troca, o país vê reconhecido o papel estabilizador na região, e a sua autoridade primariamente económica mas que abrange outras esferas por inerência. É à custa desta Petropolitics que o Irão tem vindo a desenvolver o seu programa nuclear, que se pretende completo em breve; a rearmar as suas forças armadas com armamento tecnologicamente mais avançado e destrutivo, como o mostraram as imagens obtidas durante o exercício militar a nível nacional realizado no Verão de 2006; e a contrariar de forma aberta e propagandística a sua oposição ao “império neocolonialista de capitalistas” que são os EUA e seus aliados.

Como consequência imediata, junta-se um aliado de peso aos opositores declarados da política externa dos países ocidentais, obviamente encabeçados pelos EUA, que assim vê os seus interesses na região geopolítica mais importante de todo o sistema mundial ameaçados, ao mesmo tempo que outros Estados que estes consideram de “falhados”, alegadamente não inseridos nos mercados mundiais globalizados, mas que demonstram tendências e interesses paralelos, extendendo assim a esfera conflitual para outras regiões, e outras problemáticas.

Contudo, a política externa do Irão não se resume apenas ao petróleo. As suas pretensões regionais levam-lhe ainda a exercer uma influência acentuada noutro campo da intricada malha de variáveis que tornam o Médio Oriente o centro político do mundo. Neste jogam-se alinhamentos de Estados árabes, de elites religiosas que governam repúblicas teocráticas, que incitam movimentos fundamentalistas e protegem e treinam terroristas para as suas missões opositoras ao Ocidente. É sobre esta temática que falaremos de seguida.

17 novembro, 2007

O Papel do Irão na Região

A política de Estado iraniana está oficialmente subordinada á teologia do Islão, que significa “o acto de se submeter a Deus”-
A Pérsia, antepassada do Irão foi conquistada pelo Islão em 642 d.C, sendo o xiismo, uma das duas grandes famílias do Islão, a religião oficial da República Islâmica do Irão.



Xiismo e sunismo constituem as duas principais correntes do mundo muçulmano. O sunismo é, de longe, a mais popular, contando com cerca de 90% de crentes.
A diferença entre elas não reside em fundamentos doutrinais do Islão, refere-se antes a circunstâncias históricas relativas á sucessão de Maomé.

Os sunitas aceitam como sucessores do Profeta os Quatro Califas Bem Guiados – Abu Bakr, Omar, Othman e Ali. Já os xiitas não encaram com bons olhos os três primeiros Califas dado que estes, segundo a óptica xiita, acederam ao Califado em detrimento de Ali, primo e genro de Maomé e que por esta mesma condição apresentava-se como o mais digno sucessor. Ali foi assassinado em 661 tal como os seus dois filhos, Hassan e Hussein. A forma como este último morreu, na batalha de Kerbala, no actual Iraque, constituí o clímax da história combatente do xiismo.



De forma sucinta, a batalha de Kerbala, junto ao Rio Eufrates, consistiu num confronto entre Hussein e os seus 72 companheiros, e o exército de milhares de homens de Yazid I. Após resistirem por alguns dias ao exército sunita, Hussein e os seus companheiros acabaram por ser derrotados e mortos. Deste massacre apenas mulheres e crianças escaparam. Esta batalha afigura-se como o melhor exemplo da filosofia combatente dos xiitas, “antes a morte que a rendição”.



Os xiitas duodécimanos prestam culto a Hussein, que consideram o seu 3º Imã (Homem Santo), depois de Ali e Hassan.



O xiismo constituí a religião maioritária no Irão, tal como no Iraque, facto este desde 1501, cerca 60% da população. No entanto, estes são países excepção pois nos restantes Estados árabes, a maioria sunita é detentora do poder político. Esta curiosidade não é irrelevante; antes, constitui um importante factor de desestabilização dentro da comunidade muçulmana de toda a região. Historicamente conflituosas, estas duas famílias espelham as clivagens outrora existentes entre as correntes católicas e protestantes na Europa do século XVI: uns, no poder, são responsáveis pela opressão dos outros, da família oposta. Isto para referir que, em termos genéricos, a minoria xiita não possui posições de governo em situação de preponderância. No Iraque, tal como no Irão, esta lógica não se aplicava, e o Partido Baath de Saddam Hussein exercia uma forte opressão sobre a maioria xiita da população contribuindo assim para uma estabilidade pouco ortodoxa.



Contudo, este equilíbrio foi duramente abalado aquando da invasão norte-americana do Iraque no ano de 2003. Em pouco tempo, o anterior sistema de coesão intra-muçulmana foi subitamente derrubado, facto este que constituiu uma excelente oportunidade para o governo de Teerão de adquirir e exercer uma maior pressão sobre o seu vizinho geográfico. Mais, o “ónus conciliatório” alterou-se para o Irão, que prontamente aproveitou as profundas dissensões existentes entre muçulmanos e ocidentais para hostilizar o cenário político iraquiano, fomentando a pacificação e coesão entre os filhos de Allah, em detrimento das suas dissensões. Exemplo disso foram as eleições legislativas iraquianas de 2005, que levaram ao poder os conservadores religiosos xiitas, acérrimos defensores da implementação da sharia no corpo jurídico do país, e que são a mais visível face e voz dos ideais anti-ocidentais muçulmanos. Neste cenário, o Primeiro-Ministro Nouri Al-Maliki exerce um papel de moderador ingrato entre um povo hostil e uma influência externa poderosa.



Não admira, portanto, que o Irão adquira mais e mais influência na forma como as duas principais famílias muçulmanas encaram a presença externa na região. Lembramos que, até 2003, o governo de Khatami albergava importantes chefias xiitas exiladas provenientes do vizinho ocupado, Iraque, e que essas mesmas seriam mais tarde integradas enquanto parte constituinte do actual governo em funções, apoiado pelos Estados Unidos. Como já foi anteriormente referido, o Irão é o principal responsável pelo actual clima de crescente violência que se vive no Iraque, apoiando logística, militar e doutrinalmente as milícias, sunnitas e xiitas, que semeiam o caos nas zonas de influência norte-americanas. O mesmo podíamos extrapolar para o caso de Israel, que face a diversas frentes de conflito, sofre directa e constantemente de um ódio anti-semita aliado ao profundo desprezo das populações árabes e muçulmanas vizinhas aos ideais ocidentais, e suas manifestações pelos laços privilegiados que Telavive partilha com Washington. A título de exemplo, algumas das organizações terroristas que mais ferozmente se opõem ao Estado de Israel são directamente financiadas pelo Irão, como é o caso do Hamas, Hezbollah, e outras organizações paralelas. Mais, a Síria representa ainda um importante actor na região que, financiada pelo Irão, lhe é subordinada e actua como elo intermediário entre o centro de tomada de decisão em Teerão, e locais de planeamento e actuação das mesmas organizações.



Assim, é de notar o esforço iraniano no sentido de congregar todo o mundo muçulmano para minar a presença ocidental numa região encarada como pertencente à sua esfera de influência. O desenvolvimento de um programa nuclear, alegadamente para fins pacíficos, respeita esta lógica de gradual hostilização e ascensão do Irão a grande potência, pressuposto que, a realizar-se, iria acarretar o surgimento de um novo equilíbrio de potências em todo o Médio Oriente, com consequências dramáticas para o actual status quo.



A título conclusivo, é de salientar ainda os esforços que o Irão tem direccionados a Norte, para a região do Mar Cáspio, onde participa activamente, e com alguma preponderância, na determinação das fronteiras geográficas com os restantes países ribeirinhos (Rússia, Azerbeijão, Cazaquistão e Turquemenistão), onde almeja adquirir 20% do respectivo espaço marítimo, além de todos expressarem a sua vontade na criação de um bloco económico regional, ao estilo OPEP, por forma a determinarem os níveis de produção e estratégias comerciais do petróleo aí explorado. Como anteriormente referido, este é um dos grandes plano de actuação que o Irão adopta na sua demanda pela hegemonia regional, e excusa mais acrescentos.



Tendo em conta a sua clara pretensão a alcançar uma posição de domínio político-militar na região, este tem em conta que esta estratégia apenas será bem sucedida caso este país detinha o domínio energético da região, objectivo para o qual tem focalizado grande parte das suas políticas externas, em clara oposição a influência de potências estrangeiras neste que é considerado, em muitos aspectos, o centro do mundo.
Joana Gonçalves Junqueira & Tiago Alexandre Maurício

16 novembro, 2007

Apresentação tardia

O normal seria criar o blog e ao mesmo tempo explanar os motivos e/ou objectivos do mesmo. Pois, mas não foi o meu caso, e desde já peço as minhas desculpas.
Este blog foi criado a 4 de Novembro após muita insistência de um grande amigo meu, a quem devo esta estreia na blogosfera, e que com o seu blogue Nostrum Tempus suscitou o meu interesse por esta plataforma de comunicação.

Embora inicialmente apreensiva devo confessar que muito provavelmente esta seja a melhor forma de me apaixonar ainda mais pelo objecto de estudo da minha licenciatura (Relações Internacionais) e levar-me a reflectir com maior cuidado sobre o panorama internacional ao mesmo tempo que dou a conhecer esses Breves Escritos Internacionais a terceiros.

Como se tratam de artigos de opinião, que exressam a minha visão pessoal das tematicas abordades agradeço a compreensão e comentários mesmo que divergentes.

04 novembro, 2007

O Conflito Israelo-Palestiniano - Um Futuro Adiado

Obra: Carter, Jimmy; Palestina - Paz, sim. Apartheid, não.; Quidnovi; 2007



É com prazer e sentido de responsabilidade que me estreio nestas andanças do ciber-espaço.

Desde já começo por agradecer o convite feito pelo meu grande amigo Tiago, um expert neste “mundo”, para a participação neste “encontro Apolítico”. No meu entender, trata-se de uma excelente iniciativa que faz frente à inexistência, por parte da faculdade, de incentivo ao nosso sentido crítico.

Agradecimentos e elogios feitos, é agora tempo de partir para o que verdadeiramente interessa. Inauguro a minha participação com um tema que desde há muito, cerca de 60 anos, faz as manchetes dos noticiários, o conflito israelo-palestiniano.


Este é um tema extremamente delicado de analisar ou de prever desenvolvimentos. No entanto, e por estas mesmas razões, não deixa de ser um assunto que me prende a atenção. Não só este conflito em particular, mas toda a região do Médio Oriente.



Desde que o conflito iniciou, em 1948 com a imposição/criação do Estado de Israel na região da Palestina, têm vindo a ser desenvolvidos esforços para uma paz efectiva, sem contudo alcançar êxito. As respostas para os sucessivos fracassos negociais são de vária índole: rivalidades políticas; religiosos; ingerência externa; escalada de violência; radicalismo militar; etc. A leitura de vários livros e artigos levam-me a olhar o povo palestiniano como o elo mais fraco e a facção com uma maior gama de reivindicações no seio desde marasmo conflitual.


Por outro lado, encaro os israelitas, nomeadamente os seus elementos mais radicais, tanto do povo como da classe política, como os grandes inimigos e principais opositores à pacificação daquela região.

Como anteriormente referi, são inúmeras as queixas do lado palestiniano, sendo deste modo difícil e revoltante a sua completa enumeração. Cito, no entanto, as que no meu entender se afiguram como as mais graves:

- Uma das injustiças mais amargas consiste no facto de o auxílio externo para fins humanitários ser muitas vezes interceptado pelas autoridades israelitas, e usado para o seu próprio benefício;

- Queixam-se igualmente que estão privados dos seus direitos mais básicos, não podendo reunir-se em paz, viajar sem restrições ou possuir propriedade sem medo de a verem confiscada;

- Um outro problema é a manutenção de colonatos judeus em pleno território palestiniano, nomeadamente na margem ocidental do Rio Jordão, tendo como agravante o facto de todos os colonatos estarem ligados entre si por uma rede de estradas pelas quais os palestinianos não podem circular;

- Também revoltante são os milhares de palestinianos que se encontram em prisões israelitas sem reais acusações feitas e ainda sem direito à devida defesa por parte de advogados palestinianos;



Há ainda que salientar o tão conhecido Muro, que na óptica israelita destina-se à sua segurança, sendo que o povo palestiniano o encara-o como o muro do encarceramento uma vez que irrompe pela Margem Ocidental para abranger blocos de colonatos e outras grandes áreas de terras palestinianas. Este muro não separa palestinianos de israelitas; mas antes palestinianos de palestinianos. A sua construção cerca por completo uma Palestina que já se encontra severamente trancada, que já é só uma parte do que era, dividida em cantões, ocupada pelas forças de segurança de Israel.


Olhando todos estes factos, a conclusão parece-me evidente, o povo palestiniano vive numa autêntica prisão dentro do seu próprio território. Deste modo, será extremamente complicado estabelecer a confiança entre estes dois povos. O esforço terá que ser convicto e multilateral.





Presentemente, ambas as facções possuem duas figuras de grande relevo num futuro processo de paz. No lado palestiniano Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestiniana (ANP), é conhecido como o rosto da moderação tendo estado envolvido nas negociações dos Acordos de Oslo em 1993, encontrando-se então na mesma linha da maioria do povo que representa, aberto a um efectivo acordo de paz. No outro lado da barricada, Ehud Olmert, Primeiro-Ministro israelita encontra-se igualmente aberto negociações, dado que o seu partido, o Kadima, defende como objectivo prioritário avanços no processo de paz com os palestinianos. Contudo, estas duas figuras, embora influentes, não chegam por si só a um real compromisso, daí que em 2003 o então Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, anunciou um “Roteiro para a Paz” por forma a resolver o conflito israelo-palestiniano em nome dos EUA, Rússia, ONU e União Europeia – O Quarteto Internacional.


O Quarteto Internacional compreende a necessidade de Israel ter uma paz duradoura, mas tal não será possível caso este não cumpra as resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e interrompa a colonização do território palestiniano. Por outro lado, é igualmente vital que os palestinianos reconheçam a existência do Estado de Israel livre de qualquer violência.



É fundamental que ambos os lados, principalmente Israel, elaborem concepções, “esqueçam” rivalidades antigas e tenham bem presente o futuro das suas populações já cansadas de tanta violência e acordos falhados.

Ainda relativamente ao Quarteto, Tony Blair foi recentemente nomeado como enviado do Quarteto para a paz no Médio Oriente. Olhando o seu passado político recente, não me parece a melhor figura para encabeçar tal missão. Tony Blair foi durante o seu mandato como Primeiro-Ministro britânico o principal aliado dos EUA. Sendo este país o grande inimigo dos países árabes do Médio Oriente, é também visto por muitos palestinianos como o grande aliado de Israel. Tal facto prende-se pelo uso do seu direito de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas mais de quarenta vezes por forma a bloquear Resoluções adversas a Israel. Por analogia, as expectativas apresentam-nos um cenário algo adverso às futuras missões atribuídas a Tony Blair, um “lacaio” da ingerência da grande potência norte-americana no conflito. Alguns desses vetos contribuíram para o descrédito dos EUA a nível internacional e não restam muitas dúvidas de é que a falta de um esforço persistente para resolver tal conflito uma das primeiras causas do sentimento anti-americano.


Concluindo o raciocínio, é viável que este triângulo político – Palestina, Israel, Quarteto – possam chegar a um acordo, porém, não acredito que tal acordo passe da teoria à prática. Por muito que a maioria dos palestinianos e israelitas desejam de forma expedita a paz, haverá sempre uma minoria, nomeadamente organizações terroristas como o Hamas e o Hezbollah, que impedirão a pacificação da zona e empenhar-se-ão na prática de actos de violência e terror sobre as populações.

Está portanto distante o dia em que este diferendo deixará de fazer parte das manchetes noticiosas.






Resolução 242 da ONU (1967
Conselho de Segurança das Nações Unidas
Resolução 242, 22 de Novembro de 1967



O Conselho de Segurança,
Expressando as suas contínuas preocupações perante a grave situação no Médio Oriente, salientando a inadmissibilidade da apropriação de território por meio de guerra e a necessidade de trabalhar para uma situação de paz justa e duradoura em que cada Estado desta região possa viver em segurança, salientando ainda, que todos os Estados-Membros, ao aceitarem a Carta das Nações Unidas, assumiram o compromisso de agir de acordo com o Artigo 2º desta Carta,



1. Afirma que o cumprimento dos princípios da Carta requer o estabelecimento de uma paz justa e duradoura no Médio Oriente, incluindo a aplicação de ambos os seguintes princípios:
(i) Retirada das forças militares de Israel dos territórios ocupados no recente conflito;

(ii) Fim de todas as exigências, ou estados de beligerância, e o respeito e o reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência política de cada Estado da região e o seu direito a viver em paz dentro das fronteiras seguras e reconhecidas, livres de ameaças ou actos de força.

2. Afirma ainda a necessidade de:

(a) Ser garantida a liberdade de navegação através das vias internacionais existentes na região;

(b) Ser alcançado um entendimento justo sobre o problema dos refugiados;

(c) Ser garantida a inviolabilidade territorial e a independência política de cada Estado da região, através de medidas que incluam o estabelecimento de zonas desmilitarizadas.

3. Requer ao Secretário-Geral que designe um Representante Especial que se desloque ao Médio Oriente, para estabelecer e manter contactos com os Estados interessados e para promover o entendimento e apoiar esforços que permitam alcançar um acordo pacífico e aceite, no âmbito das disposições e dos princípios desta resolução.

4. Requer ao Secretário-Geral que informe o Conselho de Segurança sobre os progressos dos esforços do Representante Especial tão cedo quanto seja possível.




Resolução 338 da ONU (1973)

Conselho de Segurança das Nações Unidas

Resolução 338, 21-22 de Outubro de 1973



O Conselho de Segurança



1. Apela a todas as partes envolvidas no presente conflito para que, imediatamente e não mais tarde do que 12 horas após o momento de aprovação desta decisão, cessem fogo e ponham fim a toda a actividade militar nas posições que agora ocupam.



2. Apela a todas as partes interessadas para que, imediatamente após o cessar-fogo, comecem a aplicar a Resolução 242 do Conselho de Segurança (1967) em todas as suas disposições.



3. Decide, imediatamente e em simultâneo com o cessar-fogo, que comecem as negociações entre as partes interessadas, sob os auspícios apropriados ao estabelecimento de uma paz justa e durável no Médio Oriente.

A Problemática do Hijab

O uso do hijab (lenço) foi, há algum tempo, motivo de grande debate na Europa. No entanto, a questão foi mais acesa em França do que em qualquer outro lugar.

Na raiz das dores de cabeça europeias com o hijab está o medo do extremismo muçulmano, mas será que manter o cerco a um símbolo garante a segurança de um Estado? Arrisco uma resposta: a proibição do uso do hijab, ou de qualquer outra peça de vestuário muçulmana constituirá um claro obstáculo ao já difícil processo de integração das comunidades muçulmanas na Europa.


Embora muitas mulheres sejam obrigadas a cobrir-se, muitas fazem-no de livre vontade. Para estas mulheres, o hijab constitui uma parte indispensável da sua identidade pessoal e, como tal, não deveria ser posta em causa. O hijab representa os valores tradicionais de honra, virtude, modéstia e competência no lar.

As mulheres muçulmanas escolhem cobrir-se por diversas razões. Algumas fazem-no para parecerem honradas, ganhando assim o respeito na sua comunidade local. Outras encaram-no ao contrário das suas arrojadas roupas ocidentais, como uma protecção contra os indiscretos comentários e o assédio sexual de que, por vezes, são vítimas. Neste caso, poder-se-á ver no uso do lenço uma reivindicação de cariz feminista, ou seja, o hijab obriga os homens a respeitá-las, não pela sua aparência mas pelo seu intelecto. Há ainda a acrescentar as mulheres que o usam por uma questão estética, tanto em voga no seio de algumas muçulmanas abastadas, que demonstram os seus lenços coloridos de marca patenteada.



Em contrapartida, há mulheres que são obrigadas a cobrirem-se pelos maridos e pais. Para estas mulheres, o lenço é muitas vezes a única solução, se não querem que os pais as proíbam de frequentar escolas mistas. Nestes casos, estados como a França e Turquia, que adoptaram políticas de proibição do seu uso em escolas públicas, impedem muitas raparigas de conseguirem uma educação, diminuindo assim as possibilidades de uma integração adequada na sociedade.

Este é, sem dúvida, um debate com muitos prós e contras. Talvez fosse melhor que os Estados apostassem na promoção de mais e melhores políticas de integração no combate ao tão assustador extremismo muçulmano. O mesmo alerta serve para as feministas ocidentais que promovem os direitos das mulheres. Respeitem o direito de escolha das muçulmanas no lugar de tentarem impor os seus preconceitos ocidentais.


Jihad - Todos Falam, Ninguém Conhece

Este é um conceito muitas vezes entendido, no Ocidente, de forma simplista como uma guerra santa. No entanto, é um conceito bem mais amplo e espiritual.

O Alcorão faz referência a quatro formas de jihad; ofensiva, defensiva, maior e menor. Focarei neste artigo o binómio maior vs menor.
A jihad maior, como explicou o Profeta Maomé, consiste no esforço de cada muçulmano para se tornar um ser humano melhor, uma luta interna de disciplina moral.


Relativamente à jihad menor, esta é entendida como a luta contra os agressores do Islão, devendo ser usada para proteger e promover o Islão.

É esta ultima que em parte define o novo fundamentalismo radical islâmico dos movimentos mais extremistas de hoje (Al-Qaeda, Hezbollah,…).


Ou seja, os ocidentais não são os únicos a interpretarem mal a ideia de jihad. A forma como os movimentos fundamentalistas distorcem o seu significado mais nobre de luta interna para ser um muçulmano bom e devoto, diz muito dos conflitos que ocorrem actualmente no Médio Oriente e um pouco por todo o globo. Encaram a jihad como uma filosofia política.


Os novos grupos jihadistas não têm planos para a formação de governos democráticos ou para uma melhor assistência social dos seus seguidores.

Estes militantes dependem de um único líder e acreditam que a plena devoção do seu discurso lhes permitirá liderara uma nova sociedade São igualmente obcecados pela aplicação da sharia (lei islâmica), vêem-na como um meio de controlarem o comportamento dos muçulmanos. De salientar que esta “nova” sharia resume-se a um severo código penal que despoja o Islão dos seus valores espirituais, ou seja, resumem o Islão ao uso de trajes muçulmanos como a burka, o comprimento da barba ou ao vasto conjunto de proibições discriminatórias que recaem sobre as muçulmanas.


Este nosso séc. XXI define-se como a batalha do Ocidente contra o terrorismo islâmico. No entanto, não me parece que estejamos a usar os melhores instrumentos, uma vez que pouco fazemos no sentido de melhorar as condições sociais, políticas e económicas dos Estados muçulmanos permitindo desta forma o crescimento do radicalismo islâmico.

Este combate obteria certamente mais frutos caso os esforços fossem no sentido de melhorar a conjuntura social dos Estados muçulmanos onde os movimentos radicais actuam. Desta forma, as futuras gerações muçulmanas veriam os ocidentais não como inimigos mas antes como importantes aliados no seu desenvolvimento. Consequentemente, o apoio aos radicais islâmicos perderia fulgor dado que estes não possuem grandes preocupações sócias.

A Face Oculta das "Boas Intenções"

Debruço-me desta vez num dos mais mediáticos países do panorama internacional, a Republica Islâmica do Irão, encarada com uma das mais poderosas ameaças á pacificação mundial. No entanto, e como será perceptível no decorrer deste artigo, esta ameaça acarreta estrondosas e ocultas responsabilidades para os que hoje designam este país desta forma, nomeadamente os Estados Unidos da América.



A data a ter em conta é 19 de Agosto de 1953. Esta data marcou de forma crucial a história do Irão, no qual, EUA e Inglaterra, através de um “ensaiado” Golpe de Estado ajudaram a expulsar a elite nacionalista que governava o país e que via os norte-americanos como seus aliados ideológicos. Mesmo que estas duas últimas palavras possam parecer incompreensíveis, a verdade é que até á data, os norte-americanos eram encarados com grande admiração e respeito, em virtude das inúmeras instituições sociais que ajudaram a criar no país.



Em 1953, o Irão tinha como Primeiro Ministro Mohamed Mossadegh, um homem dotado de uma grande dose de autoconfiança e sentimento nacionalista. Este era muito apoiado pelos iranianos em virtude das suas políticas sociais – defesa da liberdade religiosa, apoio aos direitos das mulheres, construção de habitações sociais, banhos públicos, … Era igualmente conhecido por ser extremamente honesto e impenetrável á corrupção. É eleito pela revista Time como “Homem do Ano” em 1951. Mossadegh sempre lutou pelo direito dos iranianos governarem o seu país em liberdade, sem ingerência externa. Este sempre fora o seu lema, antes e durante o seu mandato como Primeiro Ministro traduzindo-se na prática na libertação da submissão para com a Grã-Bretanaha, proprietária da Anglo-Iranian Oil Company.


(Mohammed Mossadegh)






A AIOC era uma companhia extremamente lucrativa que vendia o seu petróleo dez a trinta vezes mais acima do seu preço de produção. Tal facto tornava-a extremamente odiada no Irão.



Quando Mossadegh se torna Primeiro Ministro em 1951, cumpriu o seu grande objectivo político, a nacionalização da AIOC transformando-a na Iranian Oil Company. Este acontecimento semeou a ira nas hostes inglesas, que, a parir de então, tomaram como objectivo fulcral a recuperação da sua concessão petrolífera.



Elaboraram então toda uma estratégia para depor Mossadegh, designada de Operação Bota.

No entanto, precisavam do apoio norte-americano para que a operação não falhasse e não suscitasse qualquer desconfiança. Á data, 1952, era Truman quem ocupava o cargo de Presidente dos EUA, e este sempre se opusera ao uso da força contra o Irão. Temia que qualquer tipo de acção contra este país instigasse outros países do Médio Oriente contra ingleses e americanos. No entanto, esta atitude mudou radicalmente em Novembro de 1952 com a eleição de Dwight Eisenhower.

Por forma a obterem o apoio de que necessitavam, o governo inglês falseou a tese tradicional que constituía no derrube de Mossadegh, dado que este nacionalizara propriedade inglesa, e decidiram antes dar ênfase á ameaça comunista no Irão.



O Irão possuía uma enorme riqueza petrolífera, uma grande proximidade geográfica com a URSS, um Partido Comunista activo e um Primeiro Ministro nacionalista. Os EUA encararam então a possibilidade de o país cair na esfera comunista. Esta tese foi rematada com a subsequente substituição de Mossadegh por um Priemiro Ministro pró-Ocidental. Este remate captou desde logo o interesse de Eisenhower pondo assim em marcha a Operação Ajax.



(Dwight Eisenhower)






A Operação Ajax foi arquitectada, sobretudo pelos EUA e pela Inglaterra, no entanto, o papel principal coube á CIA e a Kermit Roosevelt, que, além de ser neto de Theodore Roosevelt, era o coordenador operacional no terreno. Como é óbvio, e á semelhança de toda esta operação, agia de forma camuflada.



(Kermit Roosevelt)



O plano da Operação Ajax visava uma intensa campanha contra Mossadegh lançada pela CIA, manipulando a opinião pública iraniana, em mesquitas, imprensa e nas ruas. Ao general Zahedi, o homem escolhido para substituir Mossadegh, cabia a função de subornar alguns oficiais e militares de modo a ficarem a postos para qualquer tipo de acção militar caso esta fosse necessária. Nem os deputados do Majlis (Parlamento iraniano) foram descurados, sendo muitos deles igualmente subornados.

Enquanto isso, pagava-se a criminosos para lançarem ataques sobre líderes religiosos de modo a parecerem ter sido ordenados por Mossadegh – conhecido pelo seu secularismo.



Em meados de Agosto de 1953, Kermit Roosevelt e os seus agentes iranianos encontravam-se prontos para entrar em acção. Juntos, tinham conduzido o Irão á beira do caos. Jornais e líderes religiosos clamavam pela cabeça de Mossadegh. As ruas de Teerão eram autênticos campos de batalha organizados pela CIA.



(Winston Churchill)



A data inicial do golpe era 15 de Agosto, no entanto, uma fuga de informação levou ao falhanço da operação. Foi então a 19 de Agosto, apenas 4 dias depois, que esta armadilha política alcançou os seus objectivos. Mossadegh foi então preso (condenado a 3 anos de prisão seguido de um encarceramento em prisão domiciliária até 5 de Março de 1967, data da sua morte) e substituído por Tazlollah Zahedi através de um firmão (decreto) emitido pelo Xá Mohammed Rezza Pahlavi, também ele alvo de suborno por parte de K. Roosevelt. Este último contava com o grande respeito que os iranianos detinham pelo poder real, uma tradição antiga, para que não questionassem a legalidade de tal documento.



A Operação Ajax foi assim o primeiro passo em direcção á catástrofe iraniana de 1979. Tanto ingleses com americanos não previram que o Xá reunisse tanta força e que a usasse de forma tão tirana, nem que falhassem na tentativa de o obrigarem a seguir um rumo razoável.

Durante 26 anos o Irão viveu um regime ditatorial. O autoritarismo do Xá virou o povo contra ele, culminando na sua revolta em 1979 conduzida por fundamentalistas.



Esta revolução vinha a ser “cozinhada” desde a segunda metade da década de 60 pela voz do Ayatollah Ruhollah Khomeini. Este, enquanto jovem, sempre se opusera a Mossadegh que defendia a liberdade religiosa. Com um regime ditatorial e corrupto protagonizado pelo Xá Rezza, Khomeini, que fora enviado para o exílio por este em 1964, continuou daí o seu discurso fundamentalista que alcançou êxito através da Revolução Islâmica de 1979 transformando o Irão numa Republica Popular Teocrática Islâmica sob o comando de Khomeini, sendo o Xá enviado para o exílio.



O regime islâmico fundamentalista que Khomeini consolidou na década de 80 transformou o Irão num centro de propaganda do terror no estrangeiro através do financiamento de grupos terroristas como o Hamas, Hezbollah, milícias iraquianas e outros.



Por forma a justificar o poder radical do seu regime, Khomeini disse um dia: “Nós não somos liberais como Mossadegh ou Allende que a CIA pode manipular.”




(Xá Rezza Pahlavi)



Posteriormente, a CIA lançou-se em majestosas operações para depôr governos em vários países cujos governos e líderes não se enquadravam nos padrões norte-americanos. Foi o caso de Salvador Allende no Chile em 1973. Este foi derrubado do poder através de um Golpe de Estado conduzido pelas Forças Armadas chefiadas por Augusto Pinochet, fortemente apoiado pelos EUA. Tal golpe, além de derrubar um homem nacionalista e democraticamente eleito, conduziu o Chile a um dos mais desumanos regimes da História, protagonizado por Pinochet.

No entanto, Chile e Irão não são casos únicos nestas megas operações “reparadoras” levadas a cabo pelos sucessivos governos norte-americanos. Cuba foi, durante cerca de duas décadas, governada por Fulgêncio Batista, um homem que conduziu o país de forma ditatorial e corrupta sob o olhar passivo do governo americano. Este regime atroz, levou, á semelhança do ocorrido alguns anos depois, a uma revolução chefiada por Fidel Castro e Ernesto Che Guevara, tornando-se Cuba um país aliado da URSS (numa época de bipolarismo mundial).



Como é notório, este tipo de operações e apoios teve e tem (Iraque) efeitos profundos e devastadores (miséria, Guerras Civis, conflitos religiosos, étnicos, etc.) voltando assim vastas regiões do globo contra o imperialismo norte-americano.

É assim possível concluir que os governos mais poderosos do mundo estão dispostos a tolerar regimes opressivos, desde que estes sejam amigáveis para com o Ocidente. Há no entanto que ter em linha de conta que muitas destas operações encarnam na perfeição esta expressão, com a qual remato o meu artigo, o feitiço pode de um momento para o outro virar-se contra o feiticeiro.”


Façanhas de Terroristas

A maioria dos muçulmanos não é fundamentalista, e na sua maioria os fundamentalistas não são terroristas, mas os terroristas de hoje são na sua maior parte muçulmanos e identificam-se orgulhosamente como tal. De modo compreensível, os muçulmanos queixam-se de que os media falam dos movimentos e acções terroristas como “islâmicos” e perguntam porque razões não identificam eles, de modo semelhante, os terroristas e o terrorismo irlandês e basco como “cristãos”. A resposta é óbvia, eles não se designam como tal, A queixa dos muçulmanos é compreensível, mas deveria ser dirigida àqueles que fazem as noticias e não àqueles que as dão.


Actualmente há várias formas de extremismo muçulmano em curso. As mais conhecidas são o radicalismo subversivo da Al-Qaeda e de outros grupos semelhantes em todo o mundo muçulmano.

Todos os grupos extremistas santificam a sua acção através de referências religiosas aos textos islâmicos, e todos estes grupos afirmam representar um Islão mais puro, mais verdadeiro e mais autêntico. São, todavia, muito selectivos na escolha e interpretação dos textos sagrados, aceitando ou rejeitando textos sagrados conforme estes apoiam ou contrariam as suas posições dogmáticas e militantes. Alguns vão ao ponto de banir certos versículos corânicos dando-os como “anulados”.


Os terroristas modernos têm como objectivo principal o massacre de civis inocentes, inevitavelmente, a retaliação contra o terrorismo também tem civis como alvo, uma vez que estes elementos terroristas não usam uniformes que os identifiquem. A confusão de distinção que daí resulta é bastante útil aos terroristas e seus simpatizantes.


Graças ao grande desenvolvimento dos media, as mais recentes formas de terrorismo não são dirigidos a inimigos específicos e limitados, mas á opinião mundial. O objectivo passa pela obtenção de publicidade e instaura ração do medo.


Uma figura importante nas operações terroristas é a do terrorista suicida. Num certo sentido isto representa uma evolução. Os terroristas nacionalistas da década de 1960 e 70 tinham o cuidado de não morrerem juntamente com as suas vítimas.


O novo tipo de missão suicida parece ter tido como pioneiras organizações como o Hezbollah e o Hamas que a partir de 1982 executaram algumas dessas missões no Líbano e em Israel Os candidatos para estas missões eram, com excepções ocasionais, do sexo masculino, jovens e pobres. Era-lhes oferecida uma dupla recompensa: as delícias do Paraíso e remunerações para as suas famílias. Uma inovação notável foi a utilização de mulheres como bombistas suicidas. (pelos terroristas curdo na Turquia em 1996 e 99, e pelos palestinianos a partir de Janeiro de 2002).O que resulta numa crescente dificuldade no estabelecimento do perfil do “novo” Kamikase.

O novo terrorista suicida morre ás suas próprias mãos. Isto levanta uma questão importante dos ensinamentos islâmicos. Os livros de direito islâmicos são muito claros acerca do tema do suicídio. É um pecado grave e punido com um castigo eterno.



O Profeta disse; Aquele que se matar com uma lâmina será atormentado com essa lâmina no fogo do Inferno (…) Aquele que beber veneno e se matar, levará esse veneno na sua mão e bebê-lo-á no Inferno para todo o sempre (…) Aquele que se matar, seja de maneira for, será que atormentado dessa mesma maneira no Inferno.



Conclui-se então que a indiferença para com a morte de pessoas resultantes de ataques terroristas, não encontra justificação na doutrina ou no direito islâmico.