A importância que o mercado internacional de petróleo tem na forma como os Estados delimitam as suas políticas externas, especialmente aqueles considerados grandes potências ou em vias de o serem, é inegável. E para além do factor nuclear, o Irão tem conseguido tirar proveito da posição privilegiado que ocupa nesse mercado, e enquanto o segundo país com as maiores reservas comprovadas de petróleo na Organização de Países Exportadores de Petróleo, ou OPEP.
A OPEP, um cartel de países que procuram adquirir uma alavanca negocial monopolista na produção e especulação de produção de barris de petróleo que sustentam a economia mundial quer dos países desenvolvidos, quer dos em vias de desenvolvimento, detém cerca de 2/3 de todas as reservas de petróleo encontradas ou com altas probabilidades de serem encontradas no globo. Sendo certo que existem, no total, cerca de seiscentos sistemas de petróleo, 1/3 situam-se em zonas de difícil acesso como águas profundas ou sob densas camadas de gelo, ou permafrosts. Com efeito, os países da OPEP controlam trezentos dos quatrocentos sistemas mundiais, o que considerando a natureza do mercado internacional, lhes atribui uma importância ímpar. No entanto, antes de avançarmos existem algumas precisões que necessitam explicação.
Desde a descoberta e produção em massa de petróleo para fins comerciais e industriais, nos finais do século XIX, este combustível fóssil tem sustentado todas as grandes evoluções, crescimentos e recessões da economia mundial por mais de um século. No entanto, o cenário anterior à criação da OPEP, em 1961, era relativamente favorável àqueles que mais necessitados estavam da sua produção – os países desenvolvidos. Através das suas empresas multinacionais, que criaram verdadeiros impérios como os de Rockefeller e Rotschild, estes países desenvolvidos realizavam as suas explorações em territórios colonizados ou, em variadas formas, submissos a este enorme investimento estrangeiro que logo criou fortunas imensas às chefias locais que, pactuando com estas empresas, lhes garantiam permissões de exploração. Durante décadas, este foi o modelo vigente do sistema mundial de petróleo. Mas em 1961, tudo mudaria.
A criação da OPEP surge após a constatação da necessidade premente dos Estados produtores de petróleo, especialmente aqueles situados no Médio Oriente, se reunirem à volta da mesma mesa e discutirem formas de elevarem o poder efectivo que as suas reservas de petróleo representam, e influenciar os índices de produção e de especulação em seu favor. Nesta óptica, trataram de nacionalizar inúmeras empresas, das quais a Anglo-Iranian Oil Company é um exemplo icónico, retirando a essas empresas privadas as suas permissões de exploração e acesso aos campos petrolíferos. Agora, mais do nunca, o petróleo e as questões a si envolventes eram problemáticas de Estado, relacionadas com a sua segurança interna e internacional, pelas quais se faziam guerras, promoviam golpes de Estado, criavam e destruíam-se alianças, e recorria-se a métodos que visavam única e exclusivamente a aquisição de acessos privilegiados aos mercados internos dos países da OPEP. Assim aconteceu entre o Reino da Arábia Saudita e os Estados Unidos da América, a manutenção de um sistema tanto quanto possível multipolar na região do Médio Oriente. Não era apenas a multiplicidade de centros de produção que retira poder negocial à OPEP, como os países desenvolvidos obtinham mais e melhores alternativas aos seus usuais abastecedores, que face a um mercado altamente competitivo, mesmo que multimilionário, eram forçados a negociar entre si uma redução do seu preço por forma a susterem os crescentes aumentos nos níveis de procura mundial de petróleo.
Não obstante, o Irão tem conseguido transformar essa sua riqueza mineral em poder, e assim adquirir um papel cada vez mais relevante na região, independentemente das repetidas sublevações que ocorreram no país na última metade do século XX. Com efeito, desde a nacionalização da Anglo-Iranian Oil Company em 1951, que os vários governos têm utilizado a Petropolitics em seu favor. Entretanto ocorreram as revoluções de 1953 e 1979, sem que o fluxo de produção de barris de petróleo fosse significativamente alterado. Aliás, a Revolução Islâmica de 79 pautou o virar numa longa descida na produção que se prolongou por toda a década de 1970, assim demonstrando a importância que o mercado internacional do petróleo recolhe dos assuntos políticos iranianos. Enquanto segundo país com as maiores reservas e maiores níveis de produção, não admira que a especulação dos mercados financeiros jogue em boa medida com a estabilidade interna do país, e deste na região.
De certa forma, a manutenção dos baixos preços de petróleo nos mercados mundiais depende de dois factores interligados: os níveis de produção dos países OPEP, e relativa estabilidade multipolar da região do Médio Oriente. Ora com a ascensão de Ahmadinejad, sucessor de Khatami, a gradual hostilização dos relacionamentos internacionais com quaisquer potências externas à região tem resultado, entre outras razões, na subida geral do preço médio do barril de petróleo, enquanto nos países circundantes o clima ameaça algumas rupturas.
Tudo isto influi no ganho de poder pelo petróleo iraniano, pois é o segundo gigante que se encontra capaz de assegurar eventuais aumentos na procura mundial, e assim suprir as necessidades de petróleo pelo aumento da sua produção interna. Em troca, o país vê reconhecido o papel estabilizador na região, e a sua autoridade primariamente económica mas que abrange outras esferas por inerência. É à custa desta Petropolitics que o Irão tem vindo a desenvolver o seu programa nuclear, que se pretende completo em breve; a rearmar as suas forças armadas com armamento tecnologicamente mais avançado e destrutivo, como o mostraram as imagens obtidas durante o exercício militar a nível nacional realizado no Verão de 2006; e a contrariar de forma aberta e propagandística a sua oposição ao “império neocolonialista de capitalistas” que são os EUA e seus aliados.
Como consequência imediata, junta-se um aliado de peso aos opositores declarados da política externa dos países ocidentais, obviamente encabeçados pelos EUA, que assim vê os seus interesses na região geopolítica mais importante de todo o sistema mundial ameaçados, ao mesmo tempo que outros Estados que estes consideram de “falhados”, alegadamente não inseridos nos mercados mundiais globalizados, mas que demonstram tendências e interesses paralelos, extendendo assim a esfera conflitual para outras regiões, e outras problemáticas.
Contudo, a política externa do Irão não se resume apenas ao petróleo. As suas pretensões regionais levam-lhe ainda a exercer uma influência acentuada noutro campo da intricada malha de variáveis que tornam o Médio Oriente o centro político do mundo. Neste jogam-se alinhamentos de Estados árabes, de elites religiosas que governam repúblicas teocráticas, que incitam movimentos fundamentalistas e protegem e treinam terroristas para as suas missões opositoras ao Ocidente. É sobre esta temática que falaremos de seguida.
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