O primeiro grande momento de clara afronta ao regime e reivindicações de “Morte ao Shah!” deu-se em Janeiro de 1978, com a reunião de estudantes e líderes religiosos na cidade santa de Qom. À medida que a campanha do Ayatollah Khomeini crescia no estrangeiro, a implementação das suas directrizes ia ganhando cada vez mais adeptos, até que largos sectores da economia iraniana ficavam paralisados com a aderência dos trabalhadores aos pedidos de greve do seu líder espiritual. Assim sendo, desde a sua prisão em 1963 e exílio em 1964, a sua importância apenas crescera ao contrário do que o Shah esperara.
Como dissemos anteriormente, uma das razões que levou ao seu colapso foi o clima de terror criado pela Savak. No entanto, e a somar-se a toda a complexidade conjuntural da época, podemos datar os confrontos de Janeiro de 1978 nas declarações que o Presidente dos EUA, Jimmy Carter, fez por altura de um jantar de Estado nas vésperas do Ano Novo, em Teerão. Como parte da sua política externa e diplomacia, expressar a sua confiança e aliança com o Shah Reza Pahlavi era uma peça fundamental na prossecução dos interesses nacionais dos EUA. Não só tinham aumentado a sua dependência face ao petróleo iraniano, como também beneficiavam enormemente das suas compras em armamento, e estabilidade que o Irão imprimia ao Médio Oriente, onde outros interesses norte-americanos exigiam uma cooperação multifacetada com terceiros.
Neste contexto, o discurso de Carter vai suscitar uma imensa onda de indignação e revolta entre o povo iraniano que vê fortalecida a posição externa do Shah, enquanto ambicionavam ter na comunidade internacional uma forte reprimenda contra a opressão ditatorial esperável numa situação destas. Fartas da desilusão e da espera, as massas de Qom reúnem-se em praça pública para condenar alto e a bom som o quão repudiadas estão com o regime.
Entre as palavras de Carter, podemos ler a sua referência ao Irão como “uma ilha de estabilidade numa região altamente instável”. Era o desenvolvimento daquilo que ficou conhecido como a Doutrina Carter, um conjunto de políticas e negociações que visavam a détente, isto é, o acalmar das tensões existentes entre o bloco soviético e o bloco ocidental, enquanto se prosseguiam projectos de democratização, defesa dos direitos humanos, e desarmamento. Não admira pois que a pressão exercida por Carter face ao regime iraniano, quer por ameaça de embargo à venda de armas caso alguns condicionalismos não sejam satisfeitos, assim como a sua tentativa de assegurar a tão desejada estabilidade num país que observava níveis crescentes de violência sectária e oposição religiosa, tenham surtido efeito. Consciente deste novo escrutínio internacional, o Shah procede então à já referida liberalização, da qual fez também parte a permissão de publicação de alguns conteúdos que poderiam contestar as políticas oficiais. O erro estava cometido, e aberta a primeira brecha, o que se seguiu foi uma enchente de criticismo e oposição que não mais cessou até Fevereiro de 1979.
Este afrouxamento na repressão anti-governamental permitiu um redobrar dos esforços da oposição, que face a um documento emitido em Janeiro de 1978, acusando Khomeini de ser homossexual, um forasteiro, bêbado e agente dos britânicos, levou dezenas de milhares de pessoas às ruas em Qom, no dia 8. Nas escaramuças que se sucederam entre os manifestantes e a polícia, contam-se cerca de cinquenta segundo estimativas aproximadas entre as contagens oficiais e aquelas da oposição. A Revolução começara.
As manifestações prolongaram-se por mais alguns dias, enquanto Khomeini imprimia um derradeiro esforço para envolver toda a população nos protestos. Apostando no seu discurso de defesa dos valores e costumes tradicionais, agregou o apoio não só da elite religiosa mas também dos vários opositores laicos, e até de moderados cuja posição face ao governo não era de todo irredutível. De facto, entre numerosas campanhas de relativo sucesso contra a oposição, o seu memorandum de 7 de Janeiro constituiu um golpe do qual o Shah não se poderia mais levantar.
Assim sendo, quarenta dias depois dos mortos dos confrontos em Qom, como prega a doutrina shiita, foram organizadas comemorações fúnebres para honrar os falecidos. Um movimento tornado nacional, assistíamos a grandes marchas em todas as grandes cidades, desde Teerão a Isfahan, Shiraz e Tabriz. Nesta última, novas notícias incendiavam a revolta nacional quando um oficial da polícia mata a tiro um jovem manifestante, levando ao enfurecer das populações que começam a atacar violentamente todas as instalações públicas espalhadas pela cidade, incluindo escolas, esquadras da polícia, cinemas, correios, entre outros. A solução empregue pelo Shah entrou em efeito dois dias depois, quando o envio de tropas militares assistidas por helicópteros e uma divisão de artilharia de tanques ocuparam posições na cidade, impedindo quaisquer manifestações públicas de massas. Com efeito, nos meses seguintes assistiríamos a mais do mesmo.
Temos, segundo a cronologia listada no livro Shiismo Iraniano, do Professor Doutor Hélder Santos Costa, eis os eventos marcantes e suas características:
Principais cidades envolvidas em 1978
Janeiro – Qom;
Fevereiro – Tabriz, Isfahan, Teerão, Shiraz, Mashhad;
Março – Teerão, Babol, Yazd, Qazvin, Jahrom;
Maio – Teerão, Isfahan, Qom;
Junho – Mashhad;
Agosto – Isfahan, Abadan (Incêndio de Abadan);
Setembro – Teerão (Sexta-feira Negra);
Novembro – Teerão, Shiraz;
Dezembro – país;
Principais características das demonstrações
- Gritos de “Morte ao Shah!” e “Viva Khomeini!”;
- Encerramento de universidades, bazares, departamentos da função pública;
- Abrandamento ou greve total de vários sectores da economia, incluindo electricidade, petróleo, transportes, finanças, etc.;
- Vandalismo de instalações públicas como escolas, esquadras da polícia, cinemas, estações de transportes, correios, etc.;
- Afrontas contra as tropas militares estacionadas nas cidades com vista a impedirem o progresso das manifestações;
- Utilização de meios repressivos como gás lacrimogéneo, jactos de água, cacetada, e por vezes balas de pistola e metralhadora;
- Captura, tortura e assassínio de alegados líderes da oposição, clérigos ou civis, responsáveis pela organização e condução de manifestações contra o regime;
17 abril, 2008
A Revolução Islâmica - As Manifestações de Janeiro, 1978
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