17 abril, 2008

A Revolução Islâmica - O Início da Relação Irão-Ocidente

This long century [XIX] of weakness and dominance by foreign machinations had a traumatic impact on Iranian political culture and has reverberated throughout Iranian history to this day.” Kenneth M. Pollack, The Persian Puzzle

Rússia e Grã-Bretanha

Para melhor perspectivar as decisões levadas a cabo pelo Shah em relação à Rússia e à Grã-Bretanha é necessário relembrar que, ao longo do século XIX, a Rússia foi vista pelos persas como a sua principal ameaça externa, “the giant at their doorstep”, enquanto que a Grã-Bretanha era tida como um país distante cujos interesses na região focavam-se mais na defesa da Índia do que no domínio da Pérsia. A preferência táctica pelos britânicos não veio sem as suas desvantagens, uma vez que este falharam em prestar ajuda durante a II Guerra entre Rússia e a Pérsia e tentavam dificultar o desenvolvimento do território não fosse isto traduzir-se numa maior dificuldade em impor a sua influência, intervindo regularmente, assim como os russos, nos assuntos internos persas.

Em 1804, a Pérsia (nome pelo qual ainda era designado o Irão), teve o seu primeiro contacto directo com a Rússia quando os seus interesses na Geórgia colidiram. Esta conjuntura levou a uma guerra de nove anos que trouxe benefícios directos à Rússia pois esta forçou a Pérsia não apenas a ceder todas as suas terras no Cáucaso mas também a abdicar ao seu direito de manter forças navais ao longo do Mar Cáspio. Este novo contexto de poderio russo não passou despercebido aos estrategas ingleses que rapidamente propuseram ao Shah da Pérsia atribuir à região um estatuto de protectorado de Sua Majestade. Assim, o Tratado Definitivo de 1814 assegurava o apoio britânico à Pérsia que em troca comprometia-se a impedir a entrada de quaisquer outras tropas estrangeiras no território e que apenas oficiais ingleses poderiam treinar o Exército Persa. Com este acordo o Shah pretendia defender o seu reino de possíveis investidas russas e revitalizar a vertente militar persa. Previsivelmente não foi este o caso e as vantagens do acordo penderam para a Grã-Bretanha. Certo é que, em 1826, os persas lançaram uma ofensiva, que se provou um fracasso, no Cáucaso com o objectivo de recuperar as terras perdidas em 1913. A Grã-Bretanha, que se havia aliado à Rússia contra os turcos na Guerra de Independência da Grécia, não prestou qualquer apoio militar à Pérsia e esta acabou por ser derrotada pelas forças russas. No seguimento desta vitória russa, foi Assinado o Tratado de Turkmanchai que reafirmou a perda de todas as possessões persas ao longo do Cáucaso com consequências directas na economia e no orgulho nacional.

No ano de 1907, já depois da Revolução Constitucional de 1906, Grã-Bretanha e Rússia puseram termos as suas diferenças ao assinar o Acordo Anglo-Russo, aliando-se assim contra uma Alemanha cada vez mais forte. Esta nova conjuntura provou ter consequências directas na Pérsia, uma vez que os agora aliados acordaram em dividir o território persa em três esferas de influência – o norte para os russos, o sul para os ingleses e o intermédio para os próprios iranianos – cada uma totalmente dominada pela potência instalada. Como esperado, este plano levantou grandes objecções e mesmo confrontos directos no território. Foi neste período que, como consequência directa não só da Revolução Constitucional mas também das atitudes cada vez mais colonialista tanto da Rússia como da Grã-Bretanha, que um sentimento nacionalista emergiu na população persa. Esta começou a acreditar convictamente que a única maneira de acabar com a situação precária de dependência da Pérsia era expulsando os estrangeiros pois apenas assim poderiam retomar as rédeas seu “government, their society, and their lives”. Todavia, no final da I Guerra Mundial, a Grã-Bretanha dominava a Pérsia. As tropas britânicas estavam distribuídas por todo o território e o governo inglês tentou tornar o país num protectorado. Mais uma vez, esta situação levou ao descontentamento e revolta da população.

O Caso Particular dos Estados Unidos da América

Dada a posição actual dos Estados Unidos como super potência mundial que influencia o rumo das relações internacionais, quer a nível político, como económico, é pertinente aprofundar a sua relação com o Irão numa análise que se pretende completa e concisa. Na actualidade, os Estados Unidos acusam a República Islâmica do Irão de ser um suporte a actividades terroristas, possuir armas nucleares, demonstrar clara falta de respeito pelos direitos humanos e de opor-se ao processo de paz no Médio Oriente o que, consequentemente, perpetua a instabilidade da região. Mas nem sempre as relações entre ambos os países foram (tão) antagónicas.

Kenneth M. Pollack refere três variáveis fundamentais da idiossincrasia nacional do Irão a ter em conta quando se analisa a relação EUA-Irão. São elas: a) a vastidão do poder e influência do Império Persa revestiu o povo iraniano de um sentimento de superioridade em relação aos seus vizinhos mais próximos; b) nos últimos quinhentos anos o Irão tem sido o único estado muçulmano shiita no mundo; c) a partir do início do século XIX, o Irão tornou-se uma presa dos mais fortes actores da cena internacional, nomeadamente as potências ocidentais que procediam a uma intensa industrialização das suas economias. Para satisfazer tais necessidades energéticas, estes países não se abstiveram de intervir na política interna, explorar terras, monopolizar os mercados sem qualquer consideração pelo povo iraniano que se sentiu humilhado, frustrado, vulnerável e manipulável aos desmandos dos objectivos ocidentais na região. O autor refere também que compreender o Irão ou qualquer fenómeno especifico que se manifeste no seu solo, como é o caso da Revolução Islâmica – que analisamos no presente trabalho – é necessário ter constantemente presente uma perspectiva histórica para melhor contextualizar e compreender as várias nuances e complexidades do Irão e em particular da sua relação com os Estados Unidos.

No início da década de cinquenta do século XIX, o comércio americano com os estados do golfo pérsico tinha um crescimento tão extensivo que os Estados Unidos encetaram negociações com a Pérsia tendo em vista a assinatura de um tratado comercial, o que viria a acontecer em 1856 com a assinatura do Tratado de Amizade e Comércio entre ambos. A mesma linha de raciocínio que a Pérsia mantinha no que à Grã-Bretanha e em relação à Rússia dizia respeito – estando mais longe constituíam menor perigo e podia apoiar a Pérsia militarmente contra os russos – foi mantida sobre os Estados Unidos em relação aos Britânicos – estando os norte-americanos geograficamente ainda mais distantes que os ingleses, poderiam ser uma mais valia defensiva contra a Grã-Bretanha. Para tal, condições económicas favoráveis foram oferecidas aos americanos e em 1883, a primeira missão diplomática permanente dos Estados Unidos foi estabelecida em Teerão. Quando, em 1921, um golpe militar estabeleceu Reza Khan como Shah da nova dinastia Pahlavi (1925), uma das primeiras medidas de Khan foi convencer Washington a actuar como mediador dos interesses da Rússia e da Grã-Bretanha na Pérsia, oferecendo para tal novas concessões petrolíferas a companhia americanas – medida que despertou protestos de russos e ingleses. Não obstante, é assinado, em 1928, novo acordo comercial entre ambos os países.

Iran has been designated a state sponsor of terrorism for its activities in Lebanon and elsewhere in the world and remains subject to US and UN economic sanctions and export controls because of its continued involvement in terrorism and conventional weapons proliferation.” CIA, World Fact Book

A liberalização do regime

Mais tarde, já a meio do século XX, no ano de 1957, e com o Shah Mohammad Reza Pahlavi no trono desde 1941 – o qual era forte simpatizante do Ocidente – é decretado o fim de dezasseis anos de lei marcial e o Irão aproxima-se dos países ocidentais, assinando o Pacto de Bagdad e recebendo apoio económico e militar dos Estados Unidos. Esta aproximação ao Ocidente e em especial aos Estados Unidos foi vista com apreensão e mesmo com duras críticas por entidades internas do Irão, nomeadamente sectores religiões islâmicos e grupos políticos, que se intensificaram até culminar na Revolução Islâmica – acontecimento que se pautou pela profunda alteração das relações do Irão como Ocidente e em particular com os Estados Unidos.

Em 1978, perante as primeiras acções da Revolução, o Shah pediu apoio aos Estados Unidos pois além da simpatia que nutria pela potência americana, tinha noção da importância estratégica do seu país para a mesma – o Irão partilhava uma longa fronteira com a União Soviética e detinha um estatuto de importância no seio dos países do Médio Oriente. Mais uma vez, para analisar a posição assumida pelos Estados Unidos, é pertinente ter em atenção a conjuntura política interna norte-americana. Jimmy Carter, que havia recentemente elogiado o Shah pela sua visão e capacidade de manutenção de estabilidade no Médio Oriente, não só absteve-se de intervir na Revolução em curso como recusou, inicialmente, a entrada ao Shah deposto em território norte-americano, mesmo tendo o pedido um cariz médico. Esta falta de acção em resposta aos pedidos de ajuda do Shah, é muitas vezes associada as vozes de altos oficiais do Departamento de Estado Norte-Americano que acreditavam na inevitabilidade da Revolução e que nada podia ser feito para a travar, o que tornaria a ajuda uma aposta à partida já sem hipóteses de sucesso. Existem ainda autores e estudiosos que acreditam que esta apatia em intervir e a simpatia que algumas altas patentes americanas nutriam pela Revolução, levou a pouca dificuldade de Khomeini em se impor como chefe máximo da República Islâmica do Irão.

Ao contrário do Shah, o Ayatollah Khomeini – que liderou a revolução a partir do exílio em França e que retornou ao país em 1979 para assumir a liderança da recém formada República Islâmica do Irão – era profundamente anti-ocidental e tratou de imediatamente cortar e ostracizar qualquer laço ou vinculo com aqueles que ele identificava como más influencias para o Irão e acima de tudo, para com os valores do Islão. O incidente que marcou o esfriar irremediável das relações EUA-Irão e o despoletar dos antagonismos entre ambos os países – que se mantém até hoje – teve lugar entre 4 de Novembro de 1979 e 20 de Janeiro de 1981 quando um grupo de estudantes iranianos – após os Estados Unidos terem, após a recusa inicial, permitido a entrada do ex-Shah em solo americano – tomaram de assalto a embaixada americana em Teerão e fizeram reféns cinquenta e dois funcionários da embaixada. Khomeini apesar de não ter estado ligado ao acto estudantil, cedo o apoiou. As exigências principais prendiam-se com a reivindicação da troca dos reféns pelo Shah – que se encontrava no exilo – mas dado que este morreu no verão de 1980, passou a ser exigido que os reféns fossem julgados por espionagem. Exigiam também a promessa norte-americana não voltarem a intervir em assuntos internos iranianos no futuro e pediriam desculpas por todas as acções do passado. Apesar das exigências não terem sido correspondidas, a verdade dos factos é que o incidente reforçou, por um lado, o prestígio de Khomeini, e por outro, consolidou os sentimentos anti-americanos que aumentavam exponencialmente. A partir desta data os Estados Unidos viraram a sua atenção – e projecção de influência – para o vizinho Iraque, onde Saddam Hussein tinham pretensões de se tornar o líder incontestável do Médio Oriente.


  • Prólogo

  • Introdução

  • O Irão da Pérsia aos Safávidas

  • O Islão na Pérsia

  • O Irão dos Safávidas ao Pahlavis

  • O Jogo do Petróleo

  • O Início da Relação Irão-Ocidente

  • O Irão na II Guerra Mundial

  • O Irão na Guerra-Fria

  • O Projecto Reformista do Shah

  • Um Desagrado Crescente

  • As Manifestações de Janeiro, 1978

  • O Incêndio de Abadan

  • A Sexta-feira Negra

  • Os Últimos Dias do Trono do Pavão

  • O Período Pós-Revolucionário

  • Conclusão e Bibliografia
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