Os Safávidas
Após três séculos em que a Pérsia esteve sob domínio dos Mongóis, Turcos, Tártaros e Turcomanos, a família Safávida chega ao poder (1502-1736). A família Safávida declarava-se descendente do primeiro Ímam, Ali. O Shah Isma`il foi o grande responsável pela proclamação do shiismo Duodecimano como religião oficial do Estado. Este constituiu o passo mais importante para a criação de uma nação iraniana.
Isma`il usou o shiismo para construir um Império que, passados dez anos da sua criação incluía não só a maior parte do Irão moderno como também se estenda pela Ásia Central, Bagdad, pelo Cáucaso e Golfo Pérsico. Durante o reinado deste Shah, a Pérsia emergiu não só em termos políticos como espirituais.
Em 1538, sobe ao poder o Shah Abbas I que se adequava ao arquétipo dos governantes iranianos, não só porque se dedicava a trazer o melhor do mundo para o seu reino, mas também porque mantinha uma tirania cruel, onde a tortura e as execuções eram práticas usuais no seu reinado. Não obstante a forma tirânica como governava, o Shah presidiu a um renascimento cultural e político transferindo a capital do Império para Isfahan, transformando-a numa das cidades mais magníficas do mundo. Para tal, mandou vir artesãos arménios para o ajudarem a construir a sua capital, mercadores holandeses para aumentar o alcance do seu grandioso bazar e diplomatas de todo o mundo para lhe conferirem um ar cosmopolita. Também no seu reinado, este procedeu à celebração da paz com os otomanos, expulsou os uzbeques (as duas principais ameaças da família Safávida), reformou o exército e recuperou a Ilha de Ormuz das mãos dos portugueses em 1622.
A morte do Shah Abbas I em 1629 coincidiu com o início do declínio da Pérsia Safávida, uma vez que os seus sucessores mostraram-se incapazes de preservarem o seu legado. Dada a forma cruel como Abbas tratava os seus herdeiros, não é surpreendente que após a sua morte a Pérsia tenha caído na decadência.
Considerando a ineficácia governativa dos sucessores de Abbas I, o país começou a ser saqueado por povos vizinhos e em 1722 membros das tribos afegãs invadiram o país e tomaram a capital Isfahan. A Pérsia ficou então sob domínio afegão, nas mães do Shah Mahmoud,, mas não por muito tempo, já que os afegãos acabaram por ser expulsos por um grande líder histórico do Irão, o Shah Nadir, um turcomano sunita , um dos chefes da tribo Afshar, fundando assim a dinastia dos Afsharidas (1736). Um dos grandes feitos do Shah Nadir foi o seu avanço em direcção a leste e a consequente tomada de Deli em 1738. Um dos tesouros que de lá trouxe foi o Trono do Pavão, uma peça cravada de jóias que viria a tornar-se no símbolo da realeza iraniana. Nadir foi assassinado em 1747, e depois de uma série de lutas pelo poder que duraram quase cinquenta anos, entre os Zand e os Qadjares, uma nova dinastia emergiu, a Dinastia Qadjar.
A dinastia Qadjar
Os Qadjares, uma tribo turcomana proveniente do Mar Cáspio, governou o Irão desde o final do século XVIII até 1925. Os seus reis corruptos e nada vanguardistas são altamente responsáveis pelo atraso e pobreza do Irão. Enquanto grande parte do mundo se lançava na modernidade, fruto da Revolução Industrial, sob os Qadjares, o Irão estagnava. Se durante o século XIX o Irão tivesse sido governado por um regime forte e visionário, poderia ter conseguido afastar-se da cobiça e ingerência das potências estrangeiras.
A geografia do Irão colocou-o na mira das grandes potências imperiais da época, a Grã-Bretanha e a Rússia. O facto de o Irão ser governado por homens fracos e profundamente embrenhados nos seus próprios interesses, levou a que ambas as potências se apressassem a preencher o vazio de poder deixado pelos Qadjares. A corrupção que imperava na corte e a leviandade com que deixaram o país cair nas mãos das potências estrangeiras, levou à perda de ligação entre a monarquia e o povo. Enquanto o Irão se afundava cada vez mais na pobreza e na dependência externa, uma sede de mudança nascia nas consciências dos iranianos. Nas grandes cidades, os bazares transformaram-se em autênticos fóruns de protesto contra os monarcas. Os reformadores religiosos, os maçónicos e até os socialistas começaram a espalhar ideias novas e radicais. Notícias sobre as lutas em favor dos governos constitucionais na Europa e no Império Otomano instigaram as classes alfabetizadas.
A Revolta do Tabaco e a Revolução Constitucional
Em 1891, o Shah Nasir al-Din, não muito ciente da crescente onda de contestação, vendeu a indústria tabaqueira a uma companhia inglesa, permitindo-lhes produzir, vender e exportar um produto amplamente consumido pelos iranianos. Os iranianos consideraram este acto do Shah como um insulto difícil de suportar. Foi então que uma coligação de intelectuais, agricultores, comerciantes e líderes religiosos decidiram oferecer resistência. A figura religiosa mais importante do país, o xeque Shirezi, apoiou este protesto e emitiu uma fatwa, um decreto religioso, onde declarava que enquanto os estrangeiros controlassem a indústria tabaqueira, fumar constituía uma desobediência ao décimo segundo Ímam. Esta mensagem foi amplamente difundida e quase todos que a escutaram obedeceram. O Shah Nasir al-Din ficou bastante alarmado e quando as suas próprias mulheres deixaram de fumar, entendeu que não lhe restava outra solução senão o cancelamento da concessão. Este momento da história do Irão ficou conhecido como Revolta do Tabaco.
Na década que se seguiu a esta Revolta do Tabaco, a consciência política dos iranianos cresceu consideravelmente. A sua crença de que Allah manda que os líderes governem de forma justa (um dogma central da doutrina shiita) levou muitos a aclamarem as ideias de soberania popular. Assim, em Dezembro de 1905 surgiu uma exigência surpreendente nas mentes dos que mais contestavam a dinastia Qadjar, a criação de uma assembleia consultiva para assegurar que as leis eram aplicadas todas da mesma forma em todas as regiões do país. Tomando em consideração a relutância do Shah Muzzaffar al-Din, os protestos endureceram e os líderes religiosos islâmicos assumiram o papel principal da contestação e finalmente o Shah concordou, embora com a condição de que as leis aprovadas pelo Majlis (parlamento) tivesse de ser antes assinadas por este antes de entrarem em vigor.
A partir do consentimento do Shah o processo de elaboração da constituição iniciou-se de imediato, constituição essa que foi elaborada tendo em linha de conta a da Bélgica, considerada na altura como a mais progressista da Europa, convocaram eleições nacionais para constituírem um Majlis com 200 assentos. A primeira sessão teve lugar a 7 de Outubro de 1906. A 30 de Dezembro do mesmo ano foi então adoptada a Constituição do Irão e uma semana depôs o Shah Muzzaffir al-Din morre.
O novo monarca, o Shah Mohammed Ali, adoptou uma postura não cooperativa para com o Majlis. A juntar a isto, a ténue aliança que se verificava entre os líderes religiosos e os reformistas seculares começou a desfazer-se. Os mullahs que tinham apoiado o movimento reformista ficaram assustados com as exigências dos radicais, afirmando que estes tinham rejeitado a Lei do Profeta. A monarquia Qadjar explorou muito bem esta situação e conseguiu convencer muitos deles que os verdadeiros interesses residiam na monarquia.
Confiante que a maioria dos líderes religiosos dos pais estavam do seu lado, o Shah iniciou uma campanha de terror e violência contra o Majlis. O Shah contou ainda com o apoio das potências imperiais – Grã-Bretanha e Rússia – que perceberam que o movimento reformista ameaçava a sua posição no país. Esta pressão conduziu ao término da Revolução constitucional, que durante cinco anos tentou aliar a tradição iraniana com a democracia moderna.
Em 1907, a Grã-Bretanha e a Rússia assinaram, em São Petersburgo, um tratado que dividia a Pérsia entre si. A Grã-Bretanha assumiria o controlo das províncias do Sul, enquanto que a Rússia ficava com as do Norte. Uma faixa de terra entre as duas zonas foi estabelecida como neutra, significando isto que aí o governo persa poderia exercer a sua governação de forma autónoma, mas sem contudo poderem ir contra os interesses das suas potências ocupantes.
Em 1917, após a Revolução Bolchevique, o governo russo renunciou à maioria dos seus interesses na Pérsia. Desde logo, os britânicos apressaram-se a preencher o vazio deixado pela nova URSS, e o petróleo afigurava-se como o centro dos seus interesses.
Em 1919, os britânicos, cientes do alto valor deste novo recurso, impuseram um severo Acordo Anglo-Persa ao regime do Shah Ahmad. Este acordo permitiu a Londres assumir o controlo sobre o exército, tesouro público, o sistema de transportes e rede de comunicações do país. Este acordo constituiu um novo fôlego ao movimento nacionalista. Somando-se ao deflagrar da I Guerra Mundial, a grande maioria da população, vivendo em condições miseráveis, levou ao recrudescer do mesmo movimento em várias províncias.
Durante o conflito, a Pérsia viu-se invadida em todos os quadrantes, mesmo procurando prosseguir uma política de neutralidade. Tal facto não é de estranhar, uma vez que eram muitos os problemas endógenos e exógenos, que aliando-se à sua importância geoestratégica e energética, deploráveis condições de vida, deficit orçamental e fraco poder político, tornaram-na um útil peão para a Entente Cordiale. Embora recebesse uma comissão militar alemã, a sondar a possibilidade de rebelar as forças armadas iranianas contra o domínio imperial britânico e russo, o que é facto é que a Pérsia permaneceu sob regime de “aluguer” aos interesses anglo-russos de ocupação militar do território, exploração dos seus recursos energéticos, e domesticação do aparelho estatal, face a franca dificuldades. Assim, criavam-se as condições para a emergência de um líder carismático que liderasse o desânimo geral contra a corrupção do governo do Shah e a excessiva intromissão de potências estrangeiras no seu território e nas suas riquezas naturais.
O início da dinastia Pahlavi
Seria através de Reza Khan, um corajoso coronel das Brigadas dos Cossacos (uma unidade altamente disciplina e bem treinada, fundada por oficiais russos que tinha como função principal zelar pelos interesses dos estrangeiros e da Corte Qadjar), que a dinastia Qadjar viria a ser derrubada. Assim, no dia 21 de Fevereiro de 1921, Reza e alguns dos seus oficiais conduziram cerca de 3.000 homens a Teerão onde prenderam o Primeiro-Ministro e todos os membros do seu Gabinete. Reza fez duas exigências ao Shah Ahmad: Sayyid Zia tinha de ser nomeado Primeiro-Ministro (um antigo jornalista); e ele próprio Comandante das Brigadas dos Cossacos. O Shah obviamente cedeu e concordou com ambas.
O sucesso deste golpe teve como principais arquitectos as tropas britânicas aí estacionadas, cuja apreensão face a líderes tribais voláteis e não estabilizados resultou na tentativa de centralização do poder num Estado Persa mais forte e burocrático. Em Maio do mesmo ano, Reza forçou o Primeiro-Ministro a demitir-se do seu cargo, obrigando-o mesmo a exilar-se no estrangeiro. Pouco tempo depois, convenceu o próprio Shah a partir sob o pretexto de uma viagem devido a causas de saúde. Assim, em quatro anos, este ambicioso soldado tornava-se Primeiro-Ministro, Comandante do Exército e a figura carismática da nação persa.
O apogeu foi atingido quando o Majlis, o Parlamento persa, declara em 1925 a dinastia Qadjar como extinta e oferece o Trono do Pavão a Reza Khan. O novo Shah anunciou então que a sua dinastia seria lembrada como a dinastia Pahlavi, designação esta derivada de uma língua que os Persas falaram antes da conquista do Islão no século VII d.C.
O reinado do Shah Khan
Eivado de um novo ímpeto nacionalista, a dinastia Pahlavi sob a égide de Reza Khan afigurava-se um marco histórico e muito desejado na história da Pérsia. Não só a dinastia Qadjar mostrara ser altamente maligna para o bem-estar económico, político e social do país, como permitira ainda o completo desvirtuamento dos valores e recursos persas perante os interesses estrangeiros, sobretudo britânicos e russos. Desta forma, importa analisarmos mais atentamente quais foram as políticas de nacionalização e reforma de Khan como imediato antecessor do Shah Mohammad Reza.
Nas palavras de Stephen Kinzer, o Shah Khan “começou por aniquilar bandos de criminosos que aterrorizavam muitas regiões da Pérsia, e em seguida embarcou num formidável programa de construção que deu ao país novas avenidas, praças, estradas, fábricas, portos, hospitais, edifícios governamentais, ferrovias e escolas, tanto para rapazes como para raparigas. Criou o funcionalismo público do país, e o primeiro exército nacional em séculos. Introduziu o sistema de mérito, o calendário moderno, o uso de sobrenomes e o casamento e o divórcio civis. Sempre pronto a desprezar a tradição, impôs restrições ao vestuário tradicional, e proibiu que as caravanas de camelos entrassem nas cidades. Promulgou códigos jurídicos e fundou uma rede de tribunais seculares para os fazer cumprir. Em 1935, anunciou que não mais toleraria que o seu país fosse referido como Pérsia, uma palavra usada sobretudo pelos estrangeiros, insistindo com Irão – o nome pelo qual os cidadãos do país o designavam. […] O comércio era centralizado nas mãos do Estado e de um pequeno quadro de empresários leais. O próprio Shah tornou-se riquíssimo devido aos subornos obtidos das empresas estrangeiras, bem como à extorsão de dinheiro dos chefes tribais. Confiscou uma porção de tal modo grande de terras que, no auge do seu poder, era o maior terra-tenente do país.”
Como podermos observar, esta pequena revolução assemelha-se àquela por Portugal experimentada no período posterior ao terramoto e maremoto de 1755, no qual o Marquês de Pombal foi a figura responsável pela reestruturação do poder do Estado na sociedade lusitana. Desta forma, Shah Reza Khan intuiu a premência que existia em modernizar e centralizar o aparelho governativo em Teerão, removendo não só a influência dos líderes tribais espalhados pela Pérsia, como reunindo em si todo um movimento reformista que lhe permitisse compensar o enorme atraso político-económico existente em relação ao estrangeiro. Assim participou activamente em todas as esferas públicas e privadas, forçando não só uma reconversão dos valores tradicionais da nação persa a modelos semelhantes ao dos ocidentais e países industrializados, como actualizando toda a estrutura institucional do país face a padrões dos seus maiores opositores – nos campos da banca, do comércio, das comunicações e transportes, infra-estruturas, direito, etc.
Nesta óptica, torna-se curioso investigar sobre a admiração que Khan tinha face ao seu homólogo Kemal Atatürk na Turquia, cuja herança do Império Otomano ruído com a Grande Guerra, colocara Ankara em situação semelhante. Maioritariamente focado em reestruturar todo o aparelho governativo e em secularizar todas as esferas sociais da sua população, os projectos desenvolvidos por cada um dos governantes apresenta semelhanças incontornáveis. Por vezes apelidado de tirânico, outras de visionário, o que não podemos descurar é que os métodos pouco ortodoxos de Reza Khan reposicionaram o Irão novamente num dos mais importantes actores no Médio Oriente e sociedade internacional em geral, não só pela imensidão dos seus recursos energéticos, como pela própria natureza do seu regime e forma como lidava com uma população maioritariamente muçulmana, e entre esta, uma franca preponderância de shiitas.
O futuro viria adivinhar uma continuação na prossecução desta Grande Estratégia Iraniana, com o seu filho e sucessor Mohammad Reza Pahlavi a ascender ao Trono do Pavão em 1941, em plena II Guerra Mundial. É sobre o segundo reinado desta dinastia que falaremos de seguida.
17 abril, 2008
A Revolução Islâmica - O Irão dos Safávidas aos Pahlavis
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