17 abril, 2008

A Revolução Islâmica - O Irão na II Guerra Mundial

Contextualização

Sendo altura de abordarmos a inserção conjuntural do Irão na sociedade internacional ao longo de todo o período que abrange a nomeação do Shah Mohammad Reza Pahlavi para o Trono do Pavão até ao seu exílio em 1978, e subsequente ascensão do Ayatollah Khomeini enquanto líder da Revolução Islâmica e chegada a Teerão a 1 de Fevereiro de 1979, teremos forçosamente que referir qual o seu papel durante a II Guerra Mundial. Não só foi um evento internacional incontornável em qualquer referência histórica acerca do passado do Irão no século XX, como constituiu uma importante viragem na condução da sua política externa e relacionamento com o exterior. É sobre estes e outros tópicos que falaremos de seguida.

Como já foi referido em capítulos anteriores, o Irão partilha de uma história especialmente conturbada ao longo de dois séculos claramente desfavoráveis à nação iraniana. Desde logo, a alienação sob os Qadjares e expropriação com o Shah Reza Khan vão contribuir para uma ampla vulnerabilidade e dependência face aos interesses externos, encabeçados sobretudo por Londres e Moscovo. Durante o período designado de Grande Jogo, segundo acepção de George Kennan, que opôs os interesses britânicos aos russos pela dominação da Ásia Central durante o século XIX, a então Pérsia pertencia inequivocamente à esfera de influência da Grã-Bretanha, da qual recebia apoio financeiro, militar e político para fazer face aos seus problemas internos, e assim projectar um bloco de contenção face ao expansionismo moscovita. Não obstante, e perante a ameaça alemã no dealbar do século XX, a lógica doutrinal do Grande Jogo foi substituída por uma de maior proximidade e cooperação entre as duas grandes potências, na perspectiva de anularem os evidentes e anunciados projectos de Weltpolitik do kaiser Guilherme II.

Assim sendo, o Acordo Anglo-Russo de 1907 vai estender o período de domínio estrangeiro sobre o território e aparelho político, forçando os iranianos a uma autonomia tolerável na cintura meridional da Pérsia, face aos domínios russo e britânico, a Norte e Sul respectivamente. Com a II Guerra Mundial, a mesma realidade apenas tende a exacerbar-se. Desta forma, é importante definirmos dois momentos históricos que marcaram profundamente o destino do Irão neste conflito: o período anterior e posterior à entrada dos Estados Unidos da América, na sucessão do ataque japonês a Pearl Harbor em Dezembro de 1941.

Nesta óptica, o Irão pré-1942 é um completamente governado por Londres e Moscovo, capitais que utilizavam o seu território para transporte de equipamento e tropas contra a Afrika Korps de Rommel, e a investida de Hitler no Leste Europeu. Contudo, este não era um alinhamento tradicional ou voluntário, bem pelo contrário. Era conhecida a simpatia que o Shah Reza nutria pela doutrina ideológica de Hitler, desde logo assente num fundamentalismo rácico dos Arianos sobre os demais povos, descendência essa que era tida em grande estima pela elite iraniana. Aliás, existem alguns autores, incluindo Kenneth Pollack, que defendem que a alteração do nome Pérsia – terra dos Parsa –, para Irão – terra dos arianos -, deveu-se em muito a esta noção de superioridade dos Arianos e comunhão natural de interesses entre o Shah e Hitler. Assim, à semelhança do que os Qadjares fizeram ao atraírem a atenção da Grã-Bretanha a favores petrolíferos como forma de se aproximarem a uma potência “distante” contra um inimigo “próximo”, que era a Rússia, também durante os antecedentes e período conflitual da II Guerra Mundial assistimos a inúmeras tentativas do Shah Khan em aproximar-se da Alemanha face à intromissão britânica e soviética.

Como exemplo desta afinidade, diz-se que a estratégia alemã para o Norte de África e região do Cáucaso visava estabelecer laços directos com o Irão, que assim se aliaria e estenderia o raio operacional das potências do Eixo numa dimensão verdadeiramente mundial e multidimensional. Potenciada desde logo pelo seu posicionamento geoestratégico, a posição do Irão poderia provar ser o factor de mudança geopolítica tão ambicionado por Hitler. A confirmar estes intuitos, enviou milhares de conselheiros, técnicos, engenheiros, empresários e outros especialistas para a capital e cidades vizinhas, preparando claramente uma futura recepção das tropas nazis, com vista a expulsar a presença soviética e britânica dos territórios e restaurar assim a plena independência do Irão.

Não obstante este ambicioso conceito estratégico, a influência da Grã-Bretanha e União Soviética fez-se sentir para desilusão de Reza Khan. Não só viu o seu alinhamento do o Reich inviabilizado, como as pressões e ocupação estrangeira aumentaram em fluxo e diversidade. Quando em Agosto de 1941 as forças soviéticas e britânicas forçam o Shah a expulsar toda e qualquer presença alemã no seu território, deparam-se com um líder hesitante e receoso em abdicar novamente de uma parte vital da sua soberania a líderes externos. Consequentemente, pelo seu não cumprimento desta prerrogativa, as mesmas tropas viriam a ocupar oficialmente o território, forçando o Shah a exilar-se em apenas duas semanas de combates. Era a última estocada do primeiro governante da dinastia Pahlavi. As suas reservas petrolíferas eram totalmente aproveitadas para a manutenção e apoio das forças aliadas na Europa; os caminhos-de-ferro tinham sido monopolizados para transporte de tropas, munições e outros equipamentos militares para a URSS; a produção agrícola iraniana fora direccionada para os vários contingentes estrangeiros aí estacionados; e demais recursos tardavam em chegar às mãos dos iranianos. O desagrado, portanto, era generalizado e constituía um desafio açambarcante para o herdeiro Shah Mohammad Reza Pahlavi. O futuro adivinha tempos difíceis.

A entrada dos EUA na guerra

A declaração de guerra por parte de Washington, já em 1942, foi visto no Irão como um acto que traria um novo fulgor aos interesses nacionalistas iranianos, e um redobrado apoio às forças governamentais do Shah que assim veria a sua dependência face à Grã-Bretanha e URSS reduzida. Vingada a sua decepção face ao alinhamento alemão, a participação dos EUA asseguravam uma vitória previsível e acumulação de alguns ganhos de pós-guerra que usualmente sucedem estes grandes acontecimentos. Ademais, a nomeação do novo Shah, Mohammad Reza Pahlavi de nome, adivinhava alguns contornos que poderiam beneficiar o Irão, caso este soubesse jogar o seu alinhamento com os norte-americanos melhor com que o fez com os soviéticos e britânicos.

Esta aposta provar-se-ia proveitosa, mas não sem os seus senão. Pela Declaração Tripartite, de Janeiro de 1942, os EUA sob a presidência de Franklin Delano Roosevelt comprometiam-se a, juntamente com a Grã-Bretanha e União Soviética, a devolver a completa independência ao Irão findo o conflito, e a retirarem as suas tropas num período de seis meses subsequentes ao fim das hostilidades. Numa primeira análise, esta pareceu uma afirmação indesmentível dos projectos que os Aliados tinham para o Irão no cenário posterior à guerra. Não obstante este primeiro optimismo, alguns iranianos logo começaram a expressar as suas dúvidas em relação ao aparente filantropismo norte-americano, conscientes que estava da lição aprendida décadas antes com a entrada da Grã-Bretanha sob as boas graças dos governantes. Desta vez, o planeamento externo teria que ser outro, um mais pragmático e baseado em sucessos mensuráveis e materialmente exequíveis.

Com efeito, através do seu programa de apoio aos exércitos soviéticos, o Lend-Lease, o Irão transformou-se num centro comunicacional fundamental na cooperação EUA-URSS. Através do seu território chegaram a transitar entre 25-30% de todo o apoio militar e logístico que Roosevelt prestou a Estaline, especialmente na época de crucial importância que foi a invasão alemã da Rússia na segunda metade de 1941. Deveras fragilizado, quer militar, quer economicamente, foi através do Irão que o ressurgimento anímico e material da URSS foi injectado, apoio esse que possibilitou a derrota das tropas alemãs na célebre Batalha de Estalinegrado, considerado o volte-face da guerra. Apesar de tudo, este sucessivo relativo implicou o prolongamento da alienação das infra-estruturas, produtividade e aliança iraniana em relação aos Aliados, pois todo o país encontrava-se como que alugado à coligação anti-eixo.

Pior ainda, o futuro próximo do Irão durante a II Guerra Mundial não viria a melhorar. Celebrada a aliança e o fluxo EUA-URSS, aqueles apenas mobilizaram tropas para o território iraniano em Dezembro de 1942. Isto significou um posterior aumento da alienação já existente, pois não só eram todos os aparelhos governativos influenciados pelos britânicos e soviéticos substituídos pelos recém chegados norte-americanos, como a experiência mútua era muito ténue quando comparada as duas outras potências, como ainda a intromissão norte-americana no Irão fora multiplicada. Agora, tropas dos EUA treinavam as Forças Armadas Iranianas, coordenavam directamente o relacionamento iraniano com a URSS e instruíam uma nova elite política nas funções organizacionais segundo modelos tipicamente liberais, ocidentais e capitalistas. A própria economia era administrada por um único indivíduo, Arthur Millspaugh, antiga figura de destaque durante o regime de Reza Khan e cujos resultados ficaram muito aquém do esperado. Mais uma vez, as expectativas colocadas sobre a responsabilidade de Millspaugh foram logo deitadas por terra, quando o bem-estar económico e social da nação iraniana em nada melhorou, assistindo ainda a consideráveis retrocessos em matérias de crescimento, produtividade e distribuição de riqueza. De certa forma, uma tentativa bem mais profícua dos projectos reformistas do Shah Reza Khan.


Um alinhamento promissor

Os eventos levariam os EUA a reconhecer o valioso contributo do Irão na luta contra as potências do Eixo, e assim reafirmaram o seu compromisso no desenvolvimento e crescimento do seu novo aliado no Médio Oriente assim que o conflito acabasse. Por ocasião da Conferência de Teerão, em Dezembro de 1943, esta foi a declaração realizada por Estaline, Churchill e Roosevelt na capital iraniana. O compromisso por parte de Washington era tão consciente na política externa norte-americana que logo fizeram acompanhar os desenvolvimentos políticos do Shah e Majlis com um destacamento do seu serviço de informação e segurança, o American Office of Strategic Services, antecessor da Central Intelligence Agency. Esta operação teria o propósito de preparar a opinião pública iraniana, assim como o aparelho governativo, ao desenvolvimento de uma parceria multifacetada com os EUA uma vez acabada a guerra, pois a nova ordem internacional permitia vislumbrar alguns contornos de tensão entre alguns dos Aliados, especialmente entre norte-americanos e soviéticos.

O Shah Mohammad Reza, nomeado em 1941 após a saída do seu pai, mantém ao longo destes desenvolvimentos um baixo perfil em matérias de política internacional, pois sabia que teria que acomodar-se ao seu regime interno para daí extrair o poder e vantagem que lhe permitiria negociar o pós-guerra iraniano com uma maior capacidade negocial face aos seus aliados. Era isso mesmo que viria a acontecer em Potsdam, em Agosto de 1945, conferência reunida entre Estaline, Truman e Attlee que reivindicaria a imediata retirada das tropas estrangeiras de território iraniano. Marcando o fim da II Guerra Mundial, esta foi uma conferência que influenciaria a afirmação do Shah como legítimo e proeminente figura governante do Irão durante a Guerra-Fria, à volta do qual se desenlaçariam numerosos episódios fulcrais nessa oposição Leste-Oeste.


  • Prólogo

  • Introdução

  • O Irão da Pérsia aos Safávidas

  • O Islão na Pérsia

  • O Irão dos Safávidas ao Pahlavis

  • O Jogo do Petróleo

  • O Início da Relação Irão-Ocidente

  • O Irão na II Guerra Mundial

  • O Irão na Guerra-Fria

  • O Projecto Reformista do Shah

  • Um Desagrado Crescente

  • As Manifestações de Janeiro, 1978

  • O Incêndio de Abadan

  • A Sexta-feira Negra

  • Os Últimos Dias do Trono do Pavão

  • O Período Pós-Revolucionário

  • Conclusão e Bibliografia
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