17 abril, 2008

A Revolução Islâmica - A Sexta-feira Negra

Se o início da Revolução persiste em causar alguma discórdia no seio da comunidade académica dedicada a estas matérias, pela óbvia subjectividade com que se interpretam os fenómenos sociais, existe, contudo, um consenso generalizado de que a Sexta-feira Negra foi um marco decisório na forma como a cadeia de acontecimentos se desenvolveu e acabou, em última instância, na chegada do Imam Khomeini como líder aclamado da Revolução. Assim sendo, importa analisar em detalhe os eventos e consequências que marcaram este acontecimento, não só reportando-nos aos factos observáveis como também à sua interpretação à luz do que hoje é conhecimento histórico sobre esta fatídica segunda metade do ano de 1978.

A Sexta-feira Negra, ocorrida no dia 8 de Setembro de 1978, ou em 17 Shahrivar, 1357 – Calendário Solar –, na praça de Jaleh em Teerão. O evento marcou uma manifestação contra o regime do Shah na qual se proferiram as já costumeiras acusações de corrupção do seu regime, de morte ao Shah, vivas a Khomeini, etc. No entanto, as suas raízes foram muito mais profundas e não meramente espontâneas. Assim sendo, no dia 27 de Agosto do mesmo ano, o Shah Reza tinha nomeado para seu Primeiro-Ministro um moderado chamado Sharif-Emami, cujas políticas de negociação e contenção fizeram-no optar por procurar reunir algumas condições mínimas de estabilidade e normalidade por forma a situar-se em posição de vantagem face à oposição. Nesta óptica, decretou Lei Marcial em várias cidades espalhadas pelo país numa fútil tentativa de suster os ânimos.

Sendo uma constante ao longo de todo o período da Revolução, as massas persistiram em levar as suas reivindicações para as ruas em manifestações nas quais se reuniam frequentemente milhares de pessoas. Ambicionando manter a segurança de todo o seu aparelho governativo, o Shah nomeou o General Gholam Avi Oveissi para o cargo especial de governador da cidade de Teerão, pois nas suas Forças Armadas residia o seu último reduto enquanto Rei dos Reis. A Lei Marcial, já em vigor desde o dia anterior, como não era de surpreender, provou ser uma medida muito desajustada que apenas veio a causar ainda mais tumultos quando assistimos a um confronto directo entre as armas dos soldados e as palavras da população. É sob este cenário que devemos compreender as manifestações de 8 de Setembro.

Acresce ainda o facto desta manifestação reclamar justiça sobre as vítimas do Incêndio de Abadan, outro dos marcos históricos já aqui referidos e cuja indignação daí resultante tivera a consequência de inflamar o desagrado genérico e completa falta de confiança nas medidas e discursos proferidos pelo Shah ao longo desse ano. Nesta lógica, e com o prolongamento das marchas fúnebres ao Incêndio de Abadan ocorrido no passado mês de Agosto, a Sexta-feira Negra apenas estimulou o reafirmar de posições anteriormente alinhadas cujos prejuízos e hostilidade ameaçavam uma ruptura para breve. Com efeito, destruída toda e qualquer oposição dita moderada, ou cuja repulsa pelo regime monárquico não era irredutível nem extremista, criava um vazio político logo preenchido pela oposição mais radical que reunia agora o apoio dos poucos que ainda expressavam alguma preocupação na evolução que os acontecimentos tomavam, assim como nas suas possíveis consequências.

Às oito horas da manhã, e face às tropas do exército dispersas por todos os centros nevrálgicos da capital, um mar de pessoas começa a afluir às principais praças para prosseguirem com as suas reivindicações. Destes largos milhares, entre 15.000 e 20.000 dirigiram-se para a Praça Jaleh onde também se reunia a infantaria do Shah. O que se sucedeu é prova evidente que de pormenores se faz a História. Conforme é referido no livro Shiismo Iraniano do Professor Doutor Hélder Santos Costa, a elite religiosa, consciente na volatilidade das circunstâncias reunidas nessas manifestações em particular, opta por estimular as multidões a dispersarem e regressarem calmamente a casa, esperando assim reduzir drasticamente o número de manifestantes situados nas ruas de Teerão. Para tal, na Praça Jaleh, como em muitas outras, essas elites fazem-se representar por ayatollahs sobre os quais recairia a responsabilidade de reunir a atenção das massas numa retórica mais pacifista susceptível de causar menos distúrbios.

Por conseguinte, chegou às oito e meia da manhã o Ayatollah Nouri, líder da mesquita aí situada, e que incitou a sua exasperante audiência a sentar-se na própria praça enquanto recitava alguns versos corânicos e procurava dialogar, trazendo à razão a necessidade da manifestação continuar pacífica e a recusa geral de uso da violência. Ironicamente, o primeiro erro foi cometido pelas forças militares que disparam granadas de gás lacrimogéneo para o meio da multidão. Com mulheres e crianças presentes, todos se levantaram e começaram a dirigir-se rumo às saídas da praça onde se encontravam os soldados. Entre a confusão e correria generalizada, as tropas do General Oveissi, às quais tinham sido entregues ordens para disparar a matar, fazem uma primeira saraivada que deita por terra muitos homens e mulheres. Incluindo tanques e alguns helicópteros munidos de metralhadoras, a carnificina fez furor em todas as estações de televisão e rádio do mundo. As mais das vezes emitindo informações deturpadas e marcadamente minimalistas, a acção do Ayatollah Khomeini exilado no Iraque ganhou alavanca internacional até aí não tão efusiva. As consequências repercutiram-se inclusivamente nos EUA onde emigrantes iranianos manifestaram-se contra a atenção dada pela comunidade internacional ao sucedido. O que se seguiu foi o passo decisivo para o virar das forças a favor dos revolucionários.

Saldando-se um total de 2.000 a 3.000 mortos, contrapondo-se estas estimativas às oficiais 168 vítimas mortais avançadas pelo governo, 700 eram mulheres. O resultado fora um desastre político e social. Se alguma dúvida havia sobre a legitimidade e credibilidade do Shah no Irão, ela fora fatalmente atingida nessa Sexta-feira Negra. Dentro em breve o Primeiro-Ministro Sharif-Emami seria substituído por um conservador mais radical e pertencente às patentes do Exército que pouco ou nada viria influenciar a tendência contrária ao regime Pahlavi.


  • Prólogo

  • Introdução

  • O Irão da Pérsia aos Safávidas

  • O Islão na Pérsia

  • O Irão dos Safávidas ao Pahlavis

  • O Jogo do Petróleo

  • O Início da Relação Irão-Ocidente

  • O Irão na II Guerra Mundial

  • O Irão na Guerra-Fria

  • O Projecto Reformista do Shah

  • Um Desagrado Crescente

  • As Manifestações de Janeiro, 1978

  • O Incêndio de Abadan

  • A Sexta-feira Negra

  • Os Últimos Dias do Trono do Pavão

  • O Período Pós-Revolucionário

  • Conclusão e Bibliografia
  • Sem comentários: