Contextualização
A actual República Islâmica o Irão foi até 1935 conhecida no Ocidente como Pérsia, passando desde então a ser designada como Irão. Em 1979 com a Revolução Islâmica promovida pelo carismático líder espiritual Ayatollah Khomeini, o país adoptou a sua designação actual e oficial de República Islâmica do Irão.
A conquista da Pérsia pelo Islão deu-se com uma tal celeridade que, a julgar pela anterior força do Império Persa, diríamos estar presente uma autêntica força armada de vontade divina. Com efeito, desde a conquista de Meca pelo Profeta Maomé, a conquista árabe alastrou-se por toda a Península Arábica, tomando em Abu Bakr, Omar e Othman os principais conquistadores muçulmanos, responsáveis pela tomada do Egipto, Síria e cidade persa de Isfahan, em 642.
No entanto, a conquista da Pérsia pelos exércitos dos Califados Omíada e Abássida não ocorreu de forma uniforme e unilinear, como em numerosas guerras europeias. Antes resultaram de um padrão assimétrico de conquista e pilhagem, em que investidas com largas hordas de cavalaria rompiam pelas linhas inimigas até encontrarem repouso nas cidades próximas. Desta forma, quando em inferioridade, as tropas árabes preferiam recuar e investir noutra oportunidade, ou até forçar acampamentos e urbes inimigas ao cerco, adiando uma batalha para vitória definitiva.
Assim, as Batalhas de Karbala (680) e Wasi (702), na Arábia do Norte, constituíram importantes marcos históricos nas conquistas árabes, mesmo quando as suas tropas avançavam em regiões tão distantes como as de Cabul, Afeganistão, Montanhas Punjabe, no Paquistão, e Tripoli, Líbia. Derrotando os impérios persa e visigótico, e anulando qualquer ofensiva do Império Bizantino, a expansão do Islão por todo o Norte de África, Próximo e Médio Oriente deu-se a um ritmo estonteante e dificilmente defensável para as tropas que herdaram o antigo poderio persa, que noutro tempos conquistara ele próprio uma extensão tão vasta como aquela das cidades-gregas até ao Indo.
A análise do tema Revolução Islâmica ocorrida no Irão em 1979 necessita, pois, no nosso entender, de uma pequena contextualização inicial sobre toda a temática do Islão, por forma a obtermos um melhor entendimento. Nela abordaremos os fundamentos da doutrina islâmica no mundo contemporâneo, uma breve evolução histórica e as suas clivagens internas.
O Islão
Durante muitos séculos, os termos Islão, Allah, Muhammad, shari`a ou Alcorão estiveram como que adormecidos nas mentes dos ocidentais. No entanto, nas últimas décadas, despertaram, passando a fazer parte do vocabulário de todo o mundo, mesmo que por vezes de forma errónea e com uma conotação negativa, fruto do crescente fundamentalismo islâmico que ameaça tomar de assalto a doutrina da submissão pela do martírio.
O Islamismo, uma das três religiões monoteístas - tal como o Cristianismo e o Judaísmo -, avança mais do que qualquer outra com maior ênfase em África e na Ásia. Tal êxito deve-se à simplicidade lógica da sua doutrina.
Islão significa “submissão à vontade de Allah”, uma religião de conquista que emergiu no século VII na Península Arábica, baseada nos ensinamentos religiosos do profeta Maomé (Muhammad), e numa escritura sagrada, o Alcorão, que vem funcionando ao longo dos séculos como um código de conduta para a comunidade muçulmana (Um`ma) e que Maomé, o ultimo Profeta de Allah trouxe. O Islão é visto pelos seus crentes como um modo de vida que inclui instruções que se relacionam com todos os aspectos da vida humana.
No Islão existem “cinco pilares”, que funcionam como autênticas obrigações de culto para cumprimento escrupuloso dos seguidores da fé islâmica. Os pilares do Islão são: a Profissão de Fé (Al Shehada),o pilar mais importante que exige a confissão legal e sincera da sua fé; a Oração (Al Salat), que representa a base fundamental da religião, podendo ser classificada em orações obrigatórias (fard) que envolvem as cinco orações quotidianas, super-rogatórias (Wágib e Sunna) que incluem as orações que acompanham os serviços obrigatórios e as congregações nas grandes festas, e as facultativas que compreendem as orações voluntárias proferidas em qualquer hora do dia ou da noite; a Esmola Legal (Al Zakat) possuindo o móbil de purificar aquele que a dá através da vitória sobre o egoísmo, e da satisfação moral de participar na construção de uma sociedade muçulmana mais justa; o Jejum (Al Swam) traduz-se na abstinência completa de ingerir alimentos, beber, ter relações sexuais e fumar no espaço de tempo que decorre entre a alvorada e o pôr-do-sol durante o mês do Ramadão; a Peregrinação (Al Hajj) consiste numa série elaborada de ritos que exigem vários dias para serem cumpridos na mesquita da cidade santa de Meca, onde nasceu o Profeta.
Queremos também referir, segundo as palavras do Professor Doutor Hélder Santos Costa, a “Guerra Santa (Al Jihad)” como uma espécie de sexto pilar do Islão. Este é um termo que nos habituámos a ouvir e na maioria das vezes associada a actos de violência. Contudo, a jihad representa um acto de devoção que abre as portas do Paraíso, subdividindo-se doutrinalmente em quatro variantes, a saber: a Jihad Ofensiva; a Jihad Defensiva; a Jihad Menor; e a Jihad Maior. De forma sucinta, e se possível esclarecedora, a Jihad Ofensiva consiste no ataque ao território dos infiéis, o “Dar-al-Kufr” de forma a conquistá-lo e submeter a sua população ao Islão. Quanto à Jihad Defensiva, esta surgirá quando o território do “Dar-al-Islam” (Mundo do Islão) é objecto de ataques provenientes do “Dar-al-Harb”, ou seja, dos infiéis ou não crentes. Nesta variante, todos os muçulmanos devem participar com armas ou donativos, orações, etc. Relativamente à Jihad Maior, esta representa a luta interna de todos os muçulmanos no sentido de banir do seu espírito sentimentos como a avareza, a vingança, a traição ou a mentira. Já a Jihad Menor representa a Jihad Violenta, a luta contra agressores, e que deverá ser usada para promover e proteger o Islão.
Como já referimos, muitas das coisas que a grande maioria das pessoas associa ao Islamismo, consequência do desconhecimento e superficialidade das informações divulgadas pelos media internacionais, têm origem na prática shiita. O shiismo e o sunismo constituem as principais correntes do Islão, não são as únicas mas as que maior relevo possuem. O sunismo é, de longe, a mais popular, contando com cerca de 90% dos crentes. Não obstantes as suas semelhanças, apresentam dissensões fundamentais na construção do seu entendimento sobre a evolução da religião. A diferença entre elas não reside em fundamentos doutrinais, mas antes em circunstâncias históricas relativas à sucessão de Maomé.
Os sunitas são praticantes da tradição profética (Sunna) e aceitam como sucessores do Profeta os Quatro Califas Bem Guiados – Abu Bakr, Omar, Othman e Ali. Já os shiitas não encaram com bons olhos os primeiros três Califas, uma vez que estes, segundo a óptica shiita, ascenderam ao Califado em detrimento de Ali, primo e genro do Profeta, e por esta condição vêem-no como o mais digno sucessor. Ali foi assassinado em 661, tal como os seus dois filhos, Hassan e Hussain. A forma como este último morreu, na Batalha de Karbala (680), no actual Iraque, constitui o clímax da história combatente do shiismo.
De forma sucinta, a Batalha de Karbala (680), junto ao rio Eufrates, consistiu num combate entre Hussain e os seus 72 companheiros contra o exército de milhares de homens do Califa Yazid I (da Dinastia Omíada de Damasco). Após resistirem por alguns dias ao exército sunita, Hussain e os seus companheiros acabaram por ser derrotados e mortos. Deste massacre, apenas mulheres e crianças escaparam. Esta batalha afigura-se como o melhor exemplo da filosofia combatente dos shiitas, “antes a morte que a rendição”. O facto de Hussain se ter martirizado foi crucial para os shiitas, que acreditam que, a começar com o próprio Ali, todos, à excepção de um dos Doze Imams (isto é, Ali e os seus descendentes directos), foram martirizados. A necessidade de resistir a todos os obstáculos por uma questão de princípios, a disponibilidade para o martírio, a paixão total, a não preocupação com a morte e a aceitação da tragédia são aspectos familiares aos shiitas. Os estudiosos costumam classificá-los como o “Paradigma de Karbala” (Fischer 1980).
O shiismo Duodecimano (assim designados por acreditarem que os Íman são doze, sendo que o ultimo, Mohammad al-Mahdi, se encontra em processo de ocultação. Este processo findará quando for vontade de Allah e o Íman aparecerá para instituir o Reino da justiça no seio da Humanidade), constitui a religião maioritária e oficial no Irão, tal como no Iraque, facto este desde 1501, cerca de 60% da população. No entanto, estes são países excepção pois nos restantes Estados árabes, a maioria sunita é detentora do poder político. Este factor não e irrelevante, antes constitui um factor de desestabilização dentro da comunidade muçulmana de toda a região do Médio Oriente.
Como já referimos atrás, estas duas grandes famílias possuem variantes, no sunismo, e de forma sucinta temos as seguintes Escolas: Hanifita, Hanbalita; Malikita e Shafita. No que diz respeito ao shiismo temos os Duodecimanos, os Ismaelitas, Zayiditas e Kharijitas.
O Irão, desde a sua Revolução Islâmica de 1979, apresenta aspectos deste paradigma de Karbala que ajudam a explicar a sua política externa, quer no âmbito regional quer mundial. Aliás, esta revolução serviu em grande parte para o despertar da letargia e catapultar o Islão Revolucionário para o jogo de poderes que não só afectam toda a região do Médio Oriente, como ainda se repercutem na forma como o Ocidente interpreta e se relaciona com o mundo islâmico.
É de salientar que, embora assistamos a uma forte onda de revivalismo islâmico nas sociedades muçulmanas, a Revolução iraniana está em grande parte ligada à perspectiva da história e da sociedade shiita. É por esta razão que uma revolução semelhante com base no modelo iraniano não é possível no Egipto ou no Paquistão, onde os sunitas constituem a maioria da população.
17 abril, 2008
A Revolução Islâmica - O Islão na Pérsia
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2 comentários:
Cara Joana,
Gostaria que fizesse o favor de explicar-me por que razão dá ao conflito no Médio Oriente a ordem "conflito Israelo-Palestiniano", quando os árabes lhe dão a ordem "conflito árabo-israelita"?
Porque pergunto? Ora bem, o Estado de Israel nasceu na noite de 14 para 15 de Maio de 1948, dentro das fronteiras definidas na Resolução 181 (II) da ONU e foi invadido por uma coligação de exércitos árabes e milhares de voluntários "mujadaheen" em 15 de Maio de 1948. Logo, anteriormente a 14/15 de Maio de 1948 não existia nenhum Estado de Israel, sendo descabido referir o conflito por israelo-palestiniano antes dessa data. Formado o estado de Israel na noite de 14 para 15 de Maio de 1948, foi imediatamente invadido pelos árabes, a quem cabe a honra de iniciar o conflito armado, o que repetiram várias vezes até 1973; logo pareceria lógico chamar-lhe conflito "árabo ou palestiniano-israelita", a exemplo dos árabes, não seria?
Melhores cumprimentos,
tribunus
Esqueceu de escrever que a Jordânia era aliada de Israel na partilha da Palestina e que quebrou a aliança, parece que o forte dos judeus: quebrar alianças.
Todos sabem que as cúpulas do Fatah e do Hamaz são formadas por cristãos ortodoxos. Muçulmanos não podem matar pessoas desarmadas, mulheres, velhos e crianças, portanto não são eles que mandam os foguetes. São os cristãos ortodoxos [católicos] e estão muito corretos em defenderem suas terras porque Israel ocupa irregularmente territórios árabes que contém aquiferos e jazidas de petróleo, tem também o gás no mar de Gaza que os israelenses estão a roubar por isso impedem que navio estrangeiro entre em milhas marítimas palestinianas.
Osvaldo Aranha, do Brasil, vendeu seu voto de minerva aos USA p/ que Israel fosse fundado já que Israel nada mais é que 1 base anglo-americana na Ásia.
Esse conflito é misdrá p/ manipular os menos favorecidos de intelecto porque o objetivo real dos USA (dono de Israel)é o Índico (o extenso litoral da Somália e o Golfo Pérsico, ricos em petróleo, gás natural e minérios).
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