Zona 3: Médio Oriente
Actualmente, à zona do Médio Oriente poder-se-á apelidar a designação de “centro do Mundo”. Um centro complexo e multifacetado onde major players como EUA, Rússia e China, digladiam-se no sentido de alcançarem um novo alinhamento estratégico que lhes seja mais favorável.
Tendo em conta o quão complexa esta zona é, achei mais adequado analisá-la por partes.
Problemas Exógenos
Atendendo ao facto desta ser a mais próspera região petrolífera do mundo é-lhe inerente o facto de ser um foco de influências externas. Este jogo de influências tem como jogadores os já referenciados EUA, Rússia e China. No entanto, neste jogo o controlo dos recursos energéticos e as suas rotas não são os únicos factores a ter em conta.
O estatuto de global player só é alcançado quando um Estado é ao mesmo tempo uma potência económica, política, militar. Ora, para que isso seja viável, os recursos energéticos como o petróleo e o gás natural, abundantes nesta região, apresentam-se como fundamentais.
Quero com isto dizer que o domínio do Médio Oriente é essencial para o estatuto de global player (já Saul Cohen chamava a atenção para este facto).
Os EUA têm-se assumido como potência externa dominante na região, no entanto, esta hegemonia tem vindo a ser quebrada e abalada pela crescente ingerência russa e alguma chinesa. Estes Estados, sabendo da importância estratégico-energética que esta região representa para o seu crescimento económico-militar, e dada a proximidade geográfica inerente, têm nos últimos anos concretizado acordos com países da região que proferem um discurso de contestação ao poderio norte-americano.
Rússia: Almejando atrair esta zona estratégica o mais possível para a sua área de influência, esta que tem vindo a ampliar desde a tomada de posse de Vladimir Putin em 1998, prossegue um estreitamento das suas relações com a República Islâmica do Irão. Uma relação recíproca envolvendo armamento, recursos energéticos, capital e know-how nuclear.
O caso do programa nuclear é talvez o mais mediático e o que melhor exemplifica a relação russo-iraniana. Este programa que o Presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, vem anunciando como civil e de extrema importância para o povo iraniano, está a ser desenvolvido em parceria com o colosso russo. Em troca de elevadas quantias de petróleo, essencial para a sua indústria pesada, a Rússia fornece capital, equipamento, combustível e técnicos especializados na área nuclear, tal como ajuda diplomática patente nos inúmeros esforços de travar mais severas sanções económicas que têm sido impostas ao Irão através do Conselho de Segurança, incentivadas pelos EUA.
No entanto, nem tudo se resume ao Ouro Negro ou ao assegurar de relações económico-ennergéticas. Como consequência deste interesse, está um outro, a confrontação da influência norte-americana.
Ou seja, ao estabelecer parcerias com o Irão, a Rússia não só assegura a entrada de crude no seu país, como também vias de diálogo com um dos Estados-pária, encarado por Washington como um Estado que põe em perigo a paz mundial e com o qual não possuí relações diplomáticas desde a Revolução Islâmica de 1979. Além disto, a Rússia granjeará mais liberdade de influência na região ao mesmo tempo que mina a já tão debilitada hegemonia norte-americana.
China: Um pouco à semelhança da Rússia, também este colosso demográfico encara a região do Médio Oriente como de grande importância económico-esratégica no âmbito do seu crescimento económico sustentado e afirmação da sua influência na comunidade internacional.
Assiste-se a um câmbio de capital chinês por recursos energéticos dessa área, em particular provenientes do Irão. Contudo, a expressão deste interesse resume-se a objectivos meramente economicistas sem a apresentação de projectos estruturais, militares, diplomáticos e políticos de confrontação ou alteração do status quo conjuntural.
Estados Unidos da América: Estes vislumbram esta região como um importante ponto no que diz respeito à sua política externa. Não só está em causa o potencial energético como a necessidade de manterem a influência estratégica nesta zona.
Assumindo-se como o árbitro das relações internacionais, a sua política externa vai no sentido de estabelecer focos de influência, ou seja, procuram ampliar o mais possível a sua malha político-estratégica de delimitação de agendas internacionais e estabilização regional. Sendo a região do Médio Oriente o actual centro do mundo, como já referi, é desta forma natural que também aqui a presença americana seja notória.
As invasões do Afeganistão, e posteriormente do Iraque, constituem dois exemplos da concepção um tanto ao quanto neo-imperialista que os governos norte-americanos materializam nesta zona.
Toda a carga político-estratégica que empregam nesta área passa pela estreita parceria com o Estado de Israel, com os Estados da Península Arábica (Arábia Saudita, Kuwait, Omã, EAU, Iémen e Qatar), Afeganistão, Paquistão e Iraque, de forma a isolar o Irão, tido como o grande inimigo do Ocidente que põe em perigo a estabilidade e segurança internacional. Lembramos que este foi designado por Bush como um dos Estados pertencentes ao Eixo do Mal.
Contudo, este leque de parcerias não está a ser fácil de manobrar, pelo conjuntos dos seguintes motivos: o seu baluarte na região, Israel, Estado com o qual possui compromissos militares, políticos e económicos, e considerando a vaga de hostilidade árabe para com este, os EUA são inerentemente tomados como opositores estratégicos, objecto de derrube.
Os Estados da Península Arábica constituem-se igualmente como de grande valor estratégico-militar na senda americana de isolamento do Irão. Não só possuem as maiores reservas de crude, nomeadamente a Arábia Saudita, como oferecem uma excelente posição face à localização próxima da República Islâmica do Irão, através do Estreito de Ormuz. Os avultados investimentos energético-militares norte-americanos nestes Estados, que vêm a ser realizados desde a década de 30, asseguram o estatuto de aliados para com os EUA. Recentemente foram concretizados acordos para a venda de arsenal bélico entre alguns destes países e a superpotência. Trata-se, no meu entender, de uma dupla estratégia do governo de George W. Bush, por um lado económico, decorrente da venda, por outro estratégico-militar na sua guerra contra o Estado-pária iraniano.
Relativamente ao Afeganistão e ao Iraque, ambos fazem fronteira com o Irão, ao mesmo tempo que ambos viveram sob regimes autoritários e opressivos, ora tendo em conta que “a missão especial da América transcende a diplomacia quotidiana e obriga a servir de guia da liberdade para o resto da humanidade. As políticas externas das democracias são realmente superiores porque o povo é inerentemente pacifico” (W. Wilson, citado por Kissinger em Diplomacia) tornava-se desta forma urgente e imperativo a libertação dos povos destes dois regimes, mesmo que os motivos para as suas invasões tenham-se revelado a posteriori erróneos. Quero com isto dizer que as razões vindas a público para legitimarem a invasão do Iraque (2003) - a existência de armas de destruição maciça -, funcionaram como pretexto para cercarem o Irão.
Porém, os cálculos estratégicos realizados para estas duas operações de invasão e consequente substituição do poder politico não foram bem sucedidos. Não só o Iraque continua a ser um campo de batalha incontrolável pelas forças estrangeiras, como a facção shiita (maioritária, 60%) oprimida pelo governo de Saddam Hussein, não só ganhou as eleições aí realizadas como se têm organizado sob a forma de milícias, e simultaneamente promovido actos de violência contra as forças da coligação no terreno. De salientar que estas possuem apoio militar, económico e logístico provenientes do governo iraniano.
Quanto ao Afeganistão, muito embora a operação aí realizada em 2001 tenha sido vista como um sucesso, é visível nos últimos tempos um reacender do espírito dos ex-governantes, os Talibã, a ocorrência de atentados contra as forças governamentais e as estrangeiras que ainda se encontram no país.
O que nos fazem querer relativamente à postura norte-americana perante o Irão é de que este representa uma ameaça à segurança e estabilidade mundiais, atendendo ao seu ímpeto nuclear. Não obstante, e no meu entender, a questão é bem mais profunda. Evidententemente, um Irão xiita com armamento nuclear, e com as segundas maiores reservas petrolíferas dentro da OPEP, será sempre um elemento perigoso. Porém, é de salientar que o seu programa nuclear é largamente apoiado, como supra referido, pelo capital e know-how russo.
A Moscovo, contudo, não lhe será favorável o aparecimento de outra potência nuclear nas imediações das suas fronteiras a Sul, onde procura projectar nova influência e assegurar alinhamentos estratégicos, em tom de confrontação à hegemonia de Washington. Por conseguinte, ao actual jogo de competições e rivalidade energéticas e nucleares, somam-se outras de expansão de esferas de influência e poder na região, numa confluência de vários inputs e outputs.
Problemas endógenos: Não obstante o jogo político-estratégico que as grandes potências realizam nesta região, esta é também muito afectada por problemas endógenos traduzidos nas diferentes facções religiosas que dão forma aos Estados ali existentes. Sintetizando, Judeus em Israel, Wahabitas na Arábia Saudita, shiitas no Irão e Iraque e sunitas nos restantes países. Não só estas diferenças religiosas afectam o relacionamento intra e inter-religioso como impedem a emergência de uma potência regional incontestada.
Os dois Estados que melhor se posicionam para alcançarem este estatuto são a Arábia Saudita e a República Islâmica do Irão, sendo que ambas são apoiadas pelas grandes potências. Como já referi, os EUA têm a Arábia Saudita como o seu grande aliado no Mundo Islâmico e daqui decorre o seu amplo apoio económico-militar. Já para o Irão o mesmo apoio económico-militar é-lhe prestado pela Rússia e pela China.
Contudo, o planeamento estratégico do Irão não abrange unicamente parcerias com potências externas, mas também uma crescente “intromissão” nos seus Estados vizinhos, por recurso à sua influência nas comunidades shiitas, responsáveis pela destabilização dos regimes nacionais e o seu gradual posicionamento em favor de Teerão.
É igualmente possível observar a anterior lógica de segurança colectiva a qual impede o surgimento de uma potência regional dominante, face ao perigo de destabilização, pela aliança dos demais Estados.
Desta forma, não só é um objectivo norte-americano manter um controlo mais ou menos flexível na região, como também é do interesse nacional dos respectivos Estados a prossecução de um equilíbrio de poderes dinâmico.
Em termos históricos, desde o final da II Guerra Mundial, existem várias ameaças à estabilidade na região, lembrando os conflitos URSS-Afeganistão (1979), Irão-Iraque (1980-1989), Guerra do Golfo (1991), é desta forma notória a incapacidade que os vários Estados deste sistema regional possuem em manter um mecanismo de segurança colectiva eficaz. Em todos os conflitos enunciados, e noutros não enunciados, observamos uma participação substancial de potências estrangeiras, nomeadamente URSS/Rússia e EUA, com o intuito de, em situações de grave perturbação, restabelecer uma nova hierarquia de influências na região.
Contudo, e analisando sob um outro ponto de vista, existe igualmente um receio de uma Um`ma unida, ideia esta publicitada por uma elite de revivalistas islâmicos que nutrem o desejo de unir todos s muçulmanos numa só voz, uma espécie de Internacional Comunista, a fazer lembrar os tempos de Lenine na URSS. Caso este desejo se concretize, apesar da sua remota possibilidade, nesta região muitos Estados não hesitarão em fazer dos seus recursos energéticos, como por vezes já o fazem, uma arma política na esfera internacional provocando uma estrondosa inflexão no panorama global.
Apesar de ter afirmado que tal projecto teria pouco sucesso, dadas as fissuras religiosas e rivalidades políticas, é também notório o crescente anseio que muitos destes países revelam de se libertarem da influência e ingerência externas, mesmo que para que tal aconteça tenham de se evidenciar não como shiitas ou sunitas mas primordialmente como muçulmanos. Ou seja, secundarizarem a família religiosa a que pertencem e darem uma maior primazia à sua condição de crente de Allah. Desta forma, não só alcançariam um entendimento intra-regional como uma estratégia conjunta de combate à violação de soberania de que têm sido alvo.
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