04 agosto, 2008

O Conflito Israelo-Palestiniano - A Crise do Suez

Este foi o primeiro momento durante a Guerra-Fria no qual os interesses estratégicos das duas superpotências foram demonstrados compatíveis em termos de delimitação e estabilização do sistema internacional. Neste momento, e perante o retrocesso das influências britânica e francesa, nas suas antigas colónias, que decidem intervir militarmente sem o consentimento expresso de qualquer um dos líderes de bloco envolvidos, Moscovo ou Washington.

O conflito ocorreu no Canal do Suez, em 1956. À altura, Nasser era o líder egípcio que demonstrava um grande poder carismático entre o movimento dos não-alinhados, e que nas suas políticas interna e externa demonstrava ser um acérrimo nacionalista defensor de uma tese pan-arabista na qual o Egipto assumiria um papel fundamental de liderança do movimento. Este ascende ao poder em 1952, e declara-se preponderante na célebre Conferência de Bandung de 1955, que delimita precisamente a criação de um Terceiro Mundo que se afirma excluído e independente do conflito político, ideológico, económico e militar que opunha as duas superpotências mundiais.

O Reino Unido ocupara a região durante várias décadas, administrando a região do Canal do Suez e do Delta do Nilo enquanto área estratégica de controlo do Mediterrâneo, enquanto simultaneamente apresentava uma testa-de-ponte para projecção de influência nas suas colónias do Médio Oriente, que desde a fundação da Sociedade das Nações fora delimitada como Estado mandatário. Aquando da decisão unilateral que levou a Grã-Bretanha a proclamar o Egipto membro do chamado Pacto de Bagdade, que dava forma a uma aliança militar de segurança colectiva para toda a região do Médio Oriente, designada Tratado do Centro, os ânimos entre Cairo e Londres começaram a polarizar-se. O centro da questão derivou da presença e preponderância da Turquia no mesmo pacto, potência regional que representava o grande inimigo tradicional dos egípcios. A pretensão de trazerem os dois a discutirem matérias de segurança e política externa cooperativa foi, contradizendo as ambições de Nasser, um golpe imprudente e neocolonialista do Reino Unido.

Já com Nasser no poder, este pretende comprar para o Egipto armamento diverso que os Estados Unidos se encontravam, proposta essa que estes declinam por um interesse na manutenção de um certo equilíbrio de influências que não abrangesse o Médio Oriente central, assim mantendo relativamente neutralizada um possível foco de conflitos com Moscovo. Além do mais, através da presença de contingentes britânicos e franceses nos países vizinhos, que dominavam a paisagem política da época na região, Washington decidiu abster-se de qualquer contribuição para pretensões armamentistas que atribuíssem ao Egipto uma maior capacidade dissuasora frente a rivais circundantes, especialmente a Israel, ainda um Estado recém criado, ou mesmo à Arábia Saudita. De qualquer forma, agradava-lhes mais terem um Egipto com uma capacidade militar reduzida, do que contribuírem para o seu rearmamento. Apesar de tudo, o abastecimento de petróleo proveniente do Médio Oriente, de longe o maior interesse estratégico na região, encontrava-se assegurado pelos laços privilegiados que mantinha com a Arábia Saudita e com o Irão, dois dos maiores produtores de “ouro negro”. Visivelmente desiludido com os esforços diplomáticos canalizados para Oeste, Nasser decidiu então voltar-se para Leste, em direcção a Moscovo.

Esta viragem viria a torna-se fatídica, pois a percepção que os Estados Unidos extraíram das informações recolhidas apontava para uma política de bluff por parte de Nasser, numa que seria uma clara manifestação da sua posição política externa de confrontação do status quo e de controlo do arabismo pelas potências do Ocidente, que não só anuíram a criação do Estado de Israel na Palestina, forçando o povo aí existente ao exílio e guerra, como também fomentaram as dissensões intra-árabes para proveito próprio. Embora constituísse uma excepção à lógica que fundou o movimento dos não-alinhados, esta aproximação ao bloco soviético era essencialmente estratégico e de redução da influência britânica na região, pois a ameaça hostil de Moscovo não se punha como nas repúblicas que se lhe encontravam próximas. Contudo, como ficou provado, esta decisão não fora bluff, e a percepção de ameaça tornou-se evidente para os Estados Unidos quando a concessão de administração do Canal do Suez foi nacionalizada.

A decisão afectou essencialmente os franceses e ingleses, contrariando uma convenção internacional do século XIX que determinava a passagem ininterruptamente aberta a todo o tipo de embarcações, comerciais e navais. Nacionalizado o Canal do Suez, aqueles decidem intervir apesar da falta de consentimento internacional sobre a matéria, e da ausência de qualquer resolução proveniente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Embora a nacionalização ocorresse antes da eclosão do próprio conflito, as recentes acusações de Nasser face à presença de antigas potências coloniais resultaram numa crescente hostilização de todas as relações que este mantinha com o Reino Unido e França.

Entretanto, já com o conflito a decorrer, Washington decide manter uma posição de afastamento sem qualquer tipo de intromissão, diplomática ou militar. Como o tráfego comercial que transitava através do Canal em direcção à sua economia representava apenas 8% das suas importações e exportações, foi-lhe permitida a mera observação, enquanto as posições envolventes se desgastavam mutuamente sem que resultados imediatos fossem expectavelmente solucionados em breve. Os Estados Unidos sabiam que independentemente da solução encontrada, a influência do Reino Unido e França na região sairiam irremediavelmente reduzidas, ou mesmo anuladas, enquanto estes seriam capazes de assumir um novo protagonismo na região, de acordo com a sua Doutrina de Containment. Por outro lado, a URSS também se afastou, pensando ter no Egipto um aliado vital na estabilização da região a favor dos soviéticos, e em detrimento do Ocidente.

Entrando, o Conselho de Segurança das Nações Unidas reúne-se novamente para decidir sobre a questão do Canal, que sob proposta conjunta do Reino Unido e França, é levada a avaliar a legitimidade da nacionalização do Canal do Suez, e decidir no seu não reconhecimento e forçada intervenção contra o intuito de Nasser. Contudo, e como seria tradição, a URSS opôs-se a tal resolução, impedindo assim qualquer desenvolvimento consensual a soldo da ONU. Pela “porta das traseiras”, Moscovo continuava a vender armamento a Nasser, que agora investia sobre o Deserto do Sinai para incapacidade aliada em conter o avanço egípcio. O seu poderio militar tornou-se tão significativo, e as suas tácticas são efectivas, que o próprio avanço possibilitou a constituição de uma ameaça à integridade territorial de Israel, um inimigo que todos os países árabes partilhavam em comum.

Perante esta contingência, e incapaz de permanecer um mero observador no conflito, Israel decide fazer uso do Direito de Defesa Preventiva e atacar as forças egípcias que avançavam sobre o Deserto do Sinai, um pouco à semelhança daquilo que viria a acontecer com a Guerra dos Seis Dias. Esta decisão logo ganhou o apoio incondicional de Londres e Paris, que assim combinavam forças para, de Leste, constituir a derradeira frente de batalha que forçasse o recuo de Nasser até às suas fronteiras, e eventualmente para longe do Canal do Suez. Com efeito, em Outubro de 1956, estes emitem um ultimato a Nasser a respeito da nacionalização do Canal e avanço das tropas, que é prontamente recusado. Medidas contra-ofensivas são pois realizadas, um passo que acabou por envolver as duas superpotências.

O Presidente Eisenhower, então Comandamente Supremo das Forças Armadas dos Estados Unidos, denuncia a ruptura da aliança atlântica que a intervenção anglo-francesa representa, que fugia à lógica de segurança colectiva que lhes transmitia a OTAN por falha de não informarem o comando integrado previamente. Por outro lado, esta intervenção era ainda reprimida por todo o mundo árabe, que acusava esta nova tripla aliança como manifestação de intentos neocolonialistas de opressão à religião islâmica. Em último lugar, a URSS admitiu ainda a utilização de todo o seu arsenal à disposição, incluindo armamento nuclear, para resolver definitivamente o conflito a proveito da bipolaridade de esferas de influência, que não tinha lugar para intervenções terceiras em zonas estratégicas de grande importância.

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